Madrid é uma cidade que me
encanta. Encantam-me as pessoas, o modo como vivem e se relacionam, como
sorriem e como falam das coisas banais e mundanas ao redor de uma mesa de
esplanada degustando
uma bela cerveja e sempre, sempre “picando” algo. Posso
voltar a Madrid vezes sem conta e sempre encontro motivos para querer
revisita-la. Desta vez o mote foi a tourné
do gigante mundial da musica pop, Paul McCartney. A digressão não passava por
Lisboa e proximidade e a vontade de viver este momento foram gatilhos mais que
suficientes para viver mais uma bela experiência. Planear uma viagem nunca foi
tão fácil e não pensem os contabilistas mais audazes que é preciso gastar uma
fortuna para se viajar e procurarem novas experiências. É preciso querer e
fazer desta vontade uma prioridade nas nossas vidas. Quando estamos a viver o
quotidiano, em nossas casas, na nossa ocupação, estamos a sobreviver mais do
que a viver, pois encontramo-nos desde que nos levantamos, na nossa bolha de
conforto onde o inesperado raramente acontece e onde encontramos as respostas
para quase tudo. Para muitos de nós esse é o modo de vida ideal, sem surpresas
ou sobressaltos. Para mim isto é obrigação para ganhar algum dinheiro e poder
corresponder ao que a sociedade exige de mim enquanto cidadão responsável que
paga as contas e os impostos. Claro que as horas que consumimos da nossa vida a
ocupar-nos com as habilidades para as quais nos preparamos, fazem sentido na
nossa vida porque nos preenchem e nos fazem sentir uteis e realizados enquanto
pessoas que produzem e, e no meu caso, de algum modo contribuir com os
diagnósticos, a educação para a saúde e a formação, para o bem-estar de outras
pessoas. Sinto assim que faço um trabalho útil que terá algum impacto e fará
alguma diferença na vida de alguns. Para desempenhar as minhas tarefas e
contornar a saturação e o stress, procuro encontrar em
tudo o que faço algum
sentido e utilidade para que cada gesto constitua um pequeno desafio. Tento
afastar-me cada vez mais da realidade conhecida e estabelecida. Essa monotonia
faz-me mal, não me estimula e muito menos me obriga a procurar estratégias para
desenvolver competências para as quais não estou preparado e não tenho
respostas. Sou uma pessoa de desafios, cada vez mais. Confesso que não fui
assim sempre, embora aventureiro e ávido pelo desconhecido, já tive medo de não
ter respostas, de não me sentir confortável e de não dominar. Nos últimos anos
sinto que os desafios fazem parte da minha vida, Apetece-me ser posto à prova,
procurar o desconhecido e perceber como me comporto e resolvo situações que são
de todo desconhecidas para mim. E viajar torna isto possível. O mundo é tão
grande e tão diferente, cada vez mais diferente apesar de vivermos na era da globalização.
O que se globalizou foram as tecnologias e o comércio. As pessoas continuam
diferentes, as línguas que se falam no mundo não mudaram, as crenças, a cultura
e as religiões também não. Viver é isto, é ir procurar no mundo estas
diferenças e perceber de que matriz este
mundo é feito. É perceber que
alternativas temos quando não entendemos uma língua, que códigos existem para
que os povos se possam entender, afinal a comunicação faz parte dos mais ancestrais
costumes da humanidade. Viver é também perceber e respeitar todos aqueles que
são e pensam diferente de nós, fruto das histórias a que pertencem, porque os
locais onde vivem lhes transmitiram outra visão do mundo. Por vezes é difícil aceitar
as diferenças com que nos deparamos, entramos logo em modo de repulsa, de
incapacidade de compreender e ativamos os mecanismos do desrespeito por aquilo
que consideramos elementar e de direito, mas antes de julgar temos que tentar
entender. Claro que excluo destas diferenças o radicalismo e o fundamentalismo que
mais que uma forma de vida é uma forma de guerra e de barbárie, de doença
mental e de procura maléfica do poder à custa da destruição dos outros. Tal
como nós não entendemos porque uma mulher oriental tem que andar protegida dos
olhares do mundo, as sociedades onde estas mulheres cresceram consideram que a
nossa forma de vida é demasiado liberal. Este tipo de diferenciação cultural,
códigos de conduta e perceção do mundo, fazem da humanidade a mais interessante
das matrizes da existência, sendo também o grande motor da intolerância e do
desrespeito pelos que são considerados menos naturais e desviados da
normalidade, seja pela sua cor de pele, seja por aquilo em que acreditam. Esta
matriz heterogénea é também o grande motor que incentiva os menos bem preparados
emocionalmente ao confronto e à intolerância extrema. Hoje mais do que nunca,
em determinadas partes do mundo, se vivem estas diferenças com extrema
malignidade como se tudo o que é diferente fosse alvo de ataque. É necessário
perceber porque tomou a humanidade este rumo. Nos meus tempos de miúdo
mostravam-se filmes do futuro com robots todos iguais e programados por um
punhado de interessados em comandar o mundo. Pois chegados ao séc XXI, como
ainda não colonizamos robots em fábricas, queremos aniquilar todos os que não
obedecem a ordens e a condutas pré-determinadas por uns quantos que se assumiram
donos da verdade e da vida. Eu sou apaixonado pela diferença e arrisco-me a
dizer mesmo que a salvação da humanidade está nesta enorme diferença e diferenciação.
Já Darwin provou isto com a sua teoria da evolução das espécies embora ele
focasse bem que apenas sobreviviam aqueles que, tendo genética e ambiente
favorável, se conseguiam adaptar melhor. Ora com os humanos as coisas não podem
ser assim. Somos a espécie superior na pirâmide da evolução animal, sim. Somos
também a mais conflituosa e a mais cruel para com os semelhantes que por terem
ou assumirem qualquer diferença, seja por cor de pele, opção política,
religiosa, orientação sexual ou alimentar, são apontados, segregados e mesmo
mortos. Que espécie estranha a nossa que sobreviveu porque se soube adaptar e
agora aniquila aqueles que fogem ao padrão da normalidade. Não sei de onde veio
esta vontade inata de destruição, quem a construiu e a incrustou neste mundo.
Voltando a Madrid e ao concerto.
Com o estádio Vicent Calderon ao rubro o Paul conseguiu mais uma vez encher o
coração daquelas pessoas com a sua alma de cantor do mundo, sem barreiras nem
fronteiras. Os presentes souberam responder com aplausos e a alegria habitual
deste povo castelhano. Foram duas horas e meia de espetáculo non stop com
efeitos especiais e visuais à altura, que encheu de vida os corações de todos
quantos foram assistir. Como grande cantor que é, alinhou um conjunto de canções
que colocaram os milhares de espetadores ao rubro sendo difícil manterem-se
sentados. Quando ecoavam as canções da vida dos Beatles era a loucura total.
Foi uma nova experiência para mim que nunca tinha estado num estádio de futebol
e muito menos num concerto. Depois de aceitar o facto de estar sozinho, sem
companhia conhecida, comecei a disfrutar deixando-me embalar com a alegria
contagiante daquela gente que viveram cada minuto impulsionado por muita
cerveja que se vendia em mochilas e servia-se sob pressão em copos de 0.5l.
Apesar
de me encontrar junto a uma das portas da saída, o afluxo de pessoas no final
do concerto obrigava-nos a todos a percorrer as escadas e caminhos de acesso em
passo curto e ordeiro. A chegada ao exterior do estádio provocou-me alguma
desorientação pois tenho por hábito deixar-me conduzir na orientação dos
caminhos por quem habitualmente me acompanha. Esta inabilidade latente para a
desorientação fez-me percorrer o caminho na procura do metro para o lado
contrário aquele que me levava de facto ao metro. Seguir o caminho escolhido
pela maioria ali não era a solução pois as ruas encheram-se de pessoas em todas
as direções e sentidos. Quando percebi que de facto não identificava nenhum dos
pontos que tinha retido na altura do acesso, foi tempo de voltar para trás e
tentar perguntar para que sentido ficava a estação de Las Piramides. Claro que
era no sentido oposto ao que eu havia escolhido. Encontrado o rumo certo, o
percurso até à boca do metro foi percorrido em passo lento, quase parado, pois
o caudal de pessoas era excessivo para a largura das ruas e avenidas. Nas
escadas de acesso à estação encontrava-se um mar de gente parada que não
descia. Do local onde me encontrava não conseguia perceber a razão, aceitado
que seria um problema de espaço na plataforma do metro. Passados cerca de 15 minutos
conseguimos finalmente começar a descer e depressa percebi que aquela
estagnação estava relacionada com a fila de acesso às máquinas eletrónicas para
os milhares que tinham que adquirir o bilhete no momento. Esse era um problema
que eu não tinha pois o bilhete de 3 dias que havia adquirido logo no
aeroporto, salvou-me de ficar mais tempo retido. Quando finalmente alcancei a
plataforma de acesso às carruagens fiquei atónito com a quantidade de pessoas
que via tendo encetado pensamentos sobre como iria ser a entrada nas carruagens
com uma densidade humana daquelas. Nestes casos é fácil perceber e antever o
que vai acontecer, são deslocações com a ordem possível para dentro dos
veículos, até não haver mais espaço, nem quase para levantar a grelha costal.
Eu fiquei praticamente esmagado contra a porta contra lateral àquela por onde
entrei. A ventilação dentro da carruagem era adequado mas o espaço para
ventilar era exíguo. Tranquilizei-me com o pensamento de que na próxima estação
sairiam muitas daquelas pessoas, pensamento de participante inexperiente, pois
todas as estações em redor do estádio se encontravam repletas de candidatos a
regressar a casa. O que nos esperou a todos foram mais empurrões com a entrada
de mais alguns passageiros para um local em que achávamos ser incomportável
caber mais alguém. Claro
que viajar nestas condições dá sempre lugar a dificuldades
para alguns. Intensifica-se o calor e a humildade e é um dos locais propícios
para ocorreram golpes de calor em que os mais sensíveis reagem com marcada
palidez e hipotensão, perdendo a consciência. A adolescente que se encontrava
ao meu lado foi uma das
vítimas desta alteração tendo colapsado mas sem espaço
para cair, porque não havia espaço para ela chegar ao chão. Identifiquei a
situação perante o seu acompanhante referindo que era um problema de pressão
arterial e que ela teria que se colocada na horizontal com elevação dos membros
inferiores, mas esta solução era impossível naquele local. Rapidamente cheguei
à minha estação de desembarque sem conseguir ajudar mais esta jovem tendo-me
focalizado na aventura que me esperava para sair do local onde estava. Como a
carruagem continuava repleta, parece que ninguém saiu desde que entramos mas eu
precisava sair dali naquele momento. Educadamente verbalizei em voz alta que
iria sair mas a coluna de
pessoa que me separavam da porta não se conseguiam
deslocar para me deixar passar. Então a resposta que encontrei foi utilizar a
força para deformar e re-aconchegar aqueles corpos empurrando as pessoas umas
contra as outras para diminuir os espaços entre elas e assim encontrar em o meu
espaço para alcançar a porta. Foi mais uma experiência diferente e neste caso
algo difícil. Para poupar algum dinheiro fiquei alojado num quarto independente
mesmo no centro de Madrid por um preço low-cost magnífico. O meu anfitrião era o
Julian, um homem educado e muito gentil que fez de tudo para que me sentisse à
vontade e nada me faltasse. Num dos dias apresentou-me o companheiro com que
vivia, o seu marido. Estava na calle
Mayor, uma avenida perpendicular à Calle
Bailen onde se situa Palácio Real e a pouco metros da Plaza Mayor e do famoso
mercado de S.Miguel e da Plaza del Sol. A localização era perfeita para
percorrer toda a zona centro e histórica de Madrid quase sem utilizar o metro.
Da Plaza del Sol sobem várias avenidas para a Gran Via. O que fica um pouco
mais afastado é o Museu do Prado e o Parque del Retiro mas que se alcança com
poucas estações de metro. Da Gran Via nascem as avenidas que atravessam o
famoso bairro de Chueca, nomeadamente a Calle Fuencarral e a Hortaleza. O
quarto do Julian foi ideal pois para além da excelente localização tinha uma
mini cozinha que ajudou bastante na preparação do pequeno-almoço e nos
jantares
quando as pernas já pediam descanso e a carteira também. Era um quarto pequeno
mas muito funcional, equipado com equipamentos do Ikea como uma cama
desdobrável que também faz de banco, uma mesa retrátil, fogão e micro-ondas,
televisão, ar condicionado, e wc e duche. Tudo portanto e com mais liberdade
que num quarto de hotel. Na rua existem inúmeros restaurantes e supermercados
que permitem a curta distância adquirir produtos para as refeições que se
evitam na rua e assim e poupar algum dinheiro. Aqui está uma forma de viajar
económica e nem por isso menos intensa que as formas mais convencionais. Sou
cada vez mais adepto desta forma de viajar pois permite estabelecer contacto
com as pessoas que vivem nos diversos locais que tornam a nossa estadia muito
mais personalizada, e fazem-se amigos. Um dia destes o Julian referiu que
queria passar por Lisboa e já ficou combinado que nos vamos
contactar para
também eu o orientar pela nossa bela capital. Viver é isto! É conviver, contactar,
trocar experiência e construir momentos diferentes que nos preenchem enquanto
seres humanos. Cada vez que vivemos uma nova experiência ficamos mais ricos e
esta é uma riqueza única e pura que nenhum certificado ou diploma nos consegue
fornecer nem ninguém nos pode tirar, apenas terminará quando mudarmos para
outro estado da matéria. Passei os dias a percorrer a cidade pelas zonas mais
emblemáticas sem hora para iniciar ou terminar os meus percursos. Não é
habitual viajar sozinho mas desta vez a minha companheira Maria, como sempre
gosto de lhe chamar, não me pode acompanhar. Detesto a designação de esposa ou
mulher. Mulher ela já é e não é minha é do mundo e da vida dela, apenas
assinamos um contrato de
companheiros para o bem e para o mal. As primeiras
horas, nomeadamente no concerto senti-me mesmo sozinho, faltava-me alguém com
que partilhar o que estava a ver e a sentir. Olhava à minha volta a e parecia
que todos estavam acompanhados e eu estava acompanhado com todos os milhares de
desconhecidos que enchiam o estádio. Mas com o passar dos dias as coisas
foram-se tornando diferentes e até percebi que estar só é salutar para a mente.
Desligamos das nossas rotinas e habituamos-nos a não ter regras nem horas. Funciona
como uma espécie de retiro. As famílias precisam libertar-se de vez em quando e
procurar momento de tranquilidade fora do ambiente habitual. Parece que
funcionou muito bem comigo pois logo me
habituei a esta viagem solitária que me
permitiu andar sem rumo nem regras. Visitar o museu do Prado é tarefa para pessoas
pacientes, mas é claro que o museu vale a pena. Eu tinha pouco tempo para
explorar e sentir a cidade pelo que e não ainda tendo desenvolvido
sensibilidade suficiente para disfrutar de alguns aspeto da arte, logo que vi a
dimensão da fila, decidi aproveitar o espaço exterior e contemplar a
arquitetura ao redor e segui para o Parque do retiro que considero de visita
obrigatória. É um autêntico oásis no coração da cidade com espaços para fazer
jogging, disfrutar das sombras ou petiscar algo contemplando o
lago onde impera
a calma e o romantismo que se navega ao sabor de umas remadas nos barcos
disponíveis. Dei particular atenção a uma exposição que fotojornalista Sima Diab Sirio-americana que capta com alma e emoção todos os seus trabalhos. Este era
sobre os caminhos do êxodo do povo Sírio. É chocante o que a repórter mostra. A
sensação que tive após apreciar cada uma das fotografias, foi a de dejá vue.
Pessoas a fugir da guerra e da morte. Comboios apinhados com gente a saltar
pelas janelas, tendas em acampamentos improvisados junto às linhas férreas,
crianças maltratadas e pais com um olhar vazio de esperança e de tudo tentando
apenas salvar a vida dos seus filhos sem lhes conseguirem salvar a alma porque
a deles também foi
esmagada pelo desespero. Fiquei impressionado, e sentido e
nestes momentos reflito sobre o que andamos todos a fazer uns aos outros.
Vivemos aparentemente num mundo moderno, tecnológico onde o respeito e a
dignidade devem prevalecer sobre todas as outras coisas mas percebo que estes
valores fazem apenas parte de uma pequena fração do mundo. O que se passa na
Siria tem penosas intervenções políticas que não vou comentar porque não tenho
conhecimentos sólidos para o fazer. A mim interessam-me as pessoas e o que com
elas fazem. Vive-se o maior flagelo humanitário desde a 2ª guerra mundial às
portas da Europa civilizada e dotadas de todos os meios. Nada disto tem
resolvido o problema das pessoas. Naturalmente que é difícil criar um novo país
para albergar todas estas pessoas e desenraizá-las obrigando-as a viver num
país diferente do seu, obriga a muitas e difíceis adaptações. Eles estão nestas
condições porque não têm
como viver na terra eu era sua e que agora está
devastada por um monte de selvagens que decidiram expressar a sua doença em
forma de destruição e morte. Não consigo imaginar o que se passa nos campos de
refugiados, construídos à pressa para prender estas pessoas. Estas pessoas são
serem humanos, têm sentimentos, também sofrem, têm fome e sede, ficam doentes e
necessitam de cuidados de conforto. Não consigo sequer imaginar o que acontece
às crianças que se aventuraram sozinhas ou que os seus pais enviaram para a
sorte na esperança de que sobrevivam. Se ultrapassaram as águas do mediterrâneo
espera-os agora uma angustiante existência sujeita a tudo desde maus tratos, e
exploração e abusos de todos os
tipos. As crianças não têm capacidade para se
defenderem e terrivelmente existem homens adultos, também doentes que
aproveitam esta fragilidade para por em prática esquemas de tal complexidade mórbida
e repulsiva que merecem vigilância apertada e severas punições. A exposição
deixou-me esmagado e profundamente comovido. De volta ao reboliço da cidade com
a minha atenção desviada para outros aspetos fez-me guardar os pensamentos
anteriores num nível de acomodação que me permite continuar a olhar em frente
embora sempre com a capacidade de voltar às imagens que agora vivem no meu
banco de memórias. O resto do dia foi passado a percorrer a Calle Bailén onde
se encontra o Palácio Real e a igreja
de Almudena a Santa protetora de Madrid.
É uma catedral enorme, muito bonita onde o altar da Santa é acessível por uma
escadaria podendo-se orar mesmo junto à sua imagem. O Palácio real ocupa o
resto da avenida, majestoso com a sua arquitetura magnífica. No final desta
avenida, subindo à direita chega-se à Plaza de España onde se tem acesso direto
à Gran Via. Como já não vinha a Madrid há algum tempo e ainda com a experiência
de New York na cabeça, parecei que estava de volta à América. É uma avenida
majestosa onde se passeiam milhares de pessoas. O comércio é a grande atração
assim como as casas de
espetáculo e casinos. Na zona de Calleo a meio da
avenida encontram-se as ruas que percorrem o famoso e alternativo bairro de
Chueca. Fiz uma incursão já de noite pelas ruas e ruelas e encontrei um mundo
muito interessante e diferente. Tudo aqui respira diferença e tolerância. As
ruas principais são a Calle de Fuencarral e a Calle Hortaleza e apenas para
referenciar as maiores e mais conhecidas mas depois sabe bem deixar-nos perder
por entre as ruelas pequenas para sentir o verdadeiro pulsar do bairro. Nesta
zona da cidade passeiam-se casais do mesmo género sexual de mãos dadas,
trocando gesto de carinho. Vêm-se pessoas com aspetos diferentes desde a forma
de vestir, de andar, ou da produção em geral. Estes pares/casais ou aqueles que
se passeia sem companhia são de todas as idades, muitos vestidos com bom gosto
outros com aspeto mais excêntrico. Muitos homens com traços e gestos de
linguagem corporal que apontam claramente para uma feminização, outros
musculados e de corpos bem definidos, assumidamente homens mas que amam outros
homens. Por estas ruas existem restaurantes de muita qualidade e bom gosto e
lojas de roupas de marca. Existem ainda oferta de saunas e clubs gay para os
que querem conviver em modo mais reservado. Voltei a este bairro mas de dia
para ver com pormenor e atenção outros aspetos que a noite não reflete. A
estação de metro Chueca está mesmo no meio do bairro e a partir dela
alcançam-se todos as zonas de maior interesse. Um dos locais imperdíveis é o
mercado de San Antón. Um local
transformado em espaço gourmet com zonas de
compras e outras para sentar e degustar os mais variados pitéus. Muito à
semelhança do Mercado de S. Miguel para mais pequeno. Outro local que me chamou
a atenção foi a Igreja de S.Antón. Na porta de templo está a fase: porta santa
para os desfavorecidos. É uma igreja aberta 24h onde todos podem entrar, rezar,
tomar um café, dormir, levar o seu animal de companhia, conversar. Tem um desfibrilhador
automático externo junto a uma enorme imagem de Cristo por isso ao
alcance da
mão de Deus. Achei tão interessante este pormenor. Percorri as ruas e ruelas
que conectam aquele bairro sobre os sues diversos aspetos. As lojas de marca
proliferam e afirmam-me como espaços de luxo para uma clientela que tem bom
gosto e poder de compra. Num dos cruzamentos encontrei um atropelamento de uma
idosa por duas condutoras de mota. O cenário era de 3 vítimas no chão com a
presença da polícia a tomar conta da ocorrência. Ofereci-me para ajudar mas
foi-me dito que estava lá uma médica. Era a senhora que vi junto da idosa e que
lhe fazia carinhos e afirmava que ela tinha pulso. Percebi que nada sabia de
trauma para identificar potenciais lesões. Em pouco minutos chegou a ambulância
do Samur com o staff de apoio. Fiquei a assistir ao socorro que passou por uma
rápida identificação da única vítima, as condutoras da mota entretanto
levantaram-se depois da policia lhes perguntar se tinham alguma coisa. Uma
delas chorava inconsolável por ter provocado aquele cenário, tentando-se
dirigir à vítima
confortando-a. Identificado que estava o estado da vítima,
foi-lhe colocado um colar cervical e a transferência para uma maca convencional
elevada a 45º. Estranha esta incongruência. Percebi que a senhora não teria
nenhuma lesão grave apenas pela observação da cor da pele e do estado de
consciência, discurso e orientação. Mas após colocação de um colar cervical que
oferece alguma proteção mínima do pescoço faria sentido transferir a senhora
para uma maca que lhe oferecesse mais estabilização. Foi assim
que aprendi nas
minhas aulas de traumatologia. Depois de muito andar tentando absorver todas
aquelas diferenças e de colher as imagens do que me despertou mais (estou a
lembrar-me dos cartazes que anunciavam a pre-preparação da parada gay que se
realiza no final de junho ou do trabalho de voluntário de canis que levaram
alguns dos cães para a rua com vestido com uma capa laranja onde se podia ler
adota-
me, para sensibilizar a opinião publica para esta causa. O sucesso da
iniciativa via-se em cada gesto de carinho que as muitas mãos faziam ao
percorrer o pelo daqueles animais de aspeto dócil e cuidado, alguns deles de
raças apuradas, embora eu entenda pouco destas coisas) era tempo de voltar ao
alojamento e aproveitar para descansar e sentir o sabor desta cidade na
lembrança e nas memórias que tinha acabado de construir. Ficou a sensação de
que Madrid me era muito desconhecida e que aquela viagem representava o início
de uma relação com esta cidade vizinha que despertou em mim, vontade de voltar
mais vezes.
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