Saturday, March 26, 2016

Páscoa em Almograve

E ste post começa com a descrição de uma história. Não é uma história com o início de “era uma vez…” mas poderia ser. As histórias que têm este tipo de iniciação reportam-nos habitualmente para fábulas que os seus autores criaram e escreveram com o intuito de passar uma mensagem. São histórias que contam histórias de um tempo que já passou e cujas personagens vivem dramas ou histórias de encantar, a maioria delas com um final feliz. A história que se segue, é composta por alguns destes princípios mas não é alimentada por nenhum personagem ficcional mas sim por um personagem principal, aproximando-nos de forma humilde e superficial de alguns dos episódios da sua vida. Foi construída para fazer parte de um concurso para o dia do pai, mas não venceu o primeiro premio, mas venceu por ter saído do arquivo da memória e nos enriquecer com os momentos de uma vida. Coloco-a como texto inicial do post porque o meu pai é a figura principal dos momentos em família nestes dia de Páscoa. Contagia-nos com a sua coragem, espírito animador e positivo, o seu incontornável gosto pela gastronomia e pela graça do convívio familiar.
“O Toninho, o Tono, o António
O Toninho nasceu no ano de 1935 numa aldeia perdida entre as dunas e a várzea da costa 
alentejana, hoje património de paisagem natural protegida. Nos anos 30 esta aldeia transpirava miséria e pobreza, a par com a humildade das gentes que lá viviam e da imaculada beleza natural que ainda hoje preserva. O Toninho nasceu numa casa pobre onde não havia chão e pelo telhado entravam as pingas da chuva empurradas pela brisa marinha. Foi registado dias após o nascimento, porque da aldeia para a vila mais próxima, não haviam estradas e o percurso, que ultrapassava os 20 km, fazia-se a pé por dentro de ribeiros e lamaçal. No assento de nascimento ficou apenas o nome da sua mãe e, no lugar do pai, foi registada a frase “filho de pai incógnito” que era o modo como na altura se desresponsabilizavam os pais de se responsabilizarem pelos filhos que geravam. É curioso que ainda hoje este vazio paternal acontece no nosso país. A fome era uma constante. O alimento que mais abundava eram as papas, pitéu gastronómico da altura, fabricado com farinha de milho. O Toninho detestava papas, mas, ou comia o apanhava tareia. Para se tentar livrar às pancadas que lhe deixavam o corpo dorido, procurava dentro da boca, locais para esconder a 
mistura culinária, sem a engolir. Frequentemente adicionava-se leite às belas papas de milho mas nem assim aquilo era fácil de tragar. O leite sabia bem se fosse ingerido puro, sem mistura mas esse privilégio o Toninho não tinha. De noite dormia no chão de terra e alternava a aridez do soalho com a dureza de uma arca de madeira, com os irmãos. Teve febres (sezões, era como na altura se designava a febre) que quando começava ninguém sabia como iria terminar, sentiu-se a morrer mais do que uma vez. Cresceu a trabalhar como moiral (nome que se atribuía a quem cuidava de vacas, ovelhas e porcos (vulgo-pastor)). Gostava desse trabalho porque quem o contratava habitualmente também lhe dava de comer. Apesar da miséria em que vivia teve direito a frequentar a escola até à 4ª classe (4º ano atual), quase sempre descalço, pois não havia dinheiro para sapatos. Era um aluno esperto mas por vezes a fome fazia-o distrair-se e a professora não hesitava um 
segundo e batia-lhe nas mãos com uma régua de madeira. Era feliz à sua maneira. Já homenzinho abandonou a aldeia e fez-se à cidade onde conseguir trabalho como vendedor. Era determinado e trabalhador. Conheceu a Maria de Jesus com quem casou e com que constituiu a sua família, da qual eu faço parte como 2º filho. Passados uns anos, já por meados da década de 60, rumou à grande Europa, desconhecida e longínquo na altura. O país que o acolheu foi a Alemanha Ocidental, ainda dividida pelo muro de Berlim da Alemanha Oriental. Foi sozinho, mais tarde veio buscar a mulher e quando as saudades já não o deixavam dormir veio buscar os 2 filhos que já tinha. A vida na Alemanha constituiu para 
mim um notável período da minha vida. Como era criança, vivi tudo muito intensamente, aprendi a falar alemão e ao frequentar a escola incorporei os valores daquele povo e daquela sociedade. Ainda hoje me pauto por muitas regras sociais com as quais aprendi a crescer. As vindas a Portugal faziam-se a bordo de uma Volkswagen carocha beije, que percorria mais de 2 mil quilometros sem plano de viagem, apenas de mapa na mão. O objectivo era gastar o mínimo de horas possível para aproveitar o máximo de tempo de férias. O Tono conduzia de noite e de dia e só encostava quando o peso das pálpebras o atraiçoava. Não havia tempo nem dinheiro para pernoitar numa pensão. O descanso era no sítio onde lhe parecia mais seguro, habitualmente dentro de uma cidade, apenas com o banco encostado para trás. Recordo-me desses tempos em que durante a viagem eu e o meu mano 
íamos literalmente aos pinotes no banco traseiro. Cinto de segurança era coisa que não se sonhava por essa altura. Felizmente o Tono, que deveria ter uma proteção divina, sempre conduziu a família por bons caminhos. Os tempos em Portugal eram de pouco descanso pois havia uma obra para orientar. Uma casa que viria a ser o projeto de vida do menino Toninho, agora o António, homem de família.
Na Alemanha trabalhou na Daimler-Benz, conceituada fábrica dos automóveis mercedes, em Stuttgart, no sul da Alemanha. Depois de mais de uma década de trabalho com o propósito de construir uma vida em Portugal, alugou uma carruagem de comboio e por altura do nascimento do 3º filho, regressa de vez a Portugal para dar andamento ao seu projecto de vida. De regresso à terra onde nasceu, sem qualquer ressentimento pela vida miserável que teve, tinha o propósito de contribuir para o crescimento quer da sua vida que da vida da aldeia. Dinamizou então um projecto comercial 
com um restaurante e uma pensão, mesmo junto às dunas de areias douradas daquela aldeia que cresceu privilegiada junto a uma magnífica praia que hoje integra roteiros turísticos internacionais. O projeto foi um grande sucesso. A decoração era ousada e diferente e o António e a sua mulher, com um talento especial para a gastronomia, fizeram daquele local um espaço de referência incontornável nas décadas de 70, 80 e 90 (quase como a M 80). O trabalho era árduo mas compensatório e a vida do Toninho foi atingindo objetivos de estabilidade familiar e financeira. Permitiu aos filhos um crescimento saudável mas com uma visão de esforço e de valores. Cada conquista tinha o seu esforço com a garantia que seria compensada, se fosse trabalhada e merecida. Cresci com estes valores tendo conquistado desta forma a minha formação académica e o meu primeiro carro. Para isso 
tive que cumprir estes princípios e trabalhar nas férias e aos fins-de-semana, tal como um funcionário, mais de 12 horas por dia no estabelecimento comercial da família, experiência que me fez crescer e tornar responsável mais cedo do que eu alguma vez imaginava. Aos 17 anos tive direito à minha 1ª viagem de avião, feito raro para um rapaz da aldeia daqueles tempos, e aos 18 estava a estudar fora da proteção paternal.
O pai António esteve sempre lá para me orientar e ajudar, aconselhando, discutindo e fazendo valer muitas vezes os seus pontos de vista. Sempre soube dar-nos o espaço e a liberdade para fazermos as nossas escolhas, contribuindo com a sua experiência e ponderação quando as nossas escolhas não lhe pareciam as mais corretas. À medida que os anos foram passando foi partilhando os seus sonhos e verbalizando, referindo que não queria petir deste mundo sem conhecer o Brasil e fazer um cruzeiro. O primeiro sonho foi realizado aos 70 anos, quando rumou sozinho ao Rio de Janeiro uma vez que a sua companheira declinou o convite por achar que andar de avião, não era coisa para ela. O segundo está por concretizar...pode ser que esta história humilde e jenuina dê uma ajuda. Hoje com 81 anos continua rijo, um cozinheiro de 
mão cheia enchendo o coração de alegria e a mesa de iguarias quando os filhos o visitam.
Continua a ser generoso, continua a aconselhar e a contribuir com a sua experiência, confrontando-a com aspectos da vida moderna que tem alguma dificuldade em entender. É generoso para os vizinhos e adora a sua aldeia de onde já não quer sair. Tem uma relação íntima com aquele imenso mar azul e o aroma que dele emana seja nos dias de maresia seja incrustado nas navalheiras, nas conchas dos caramujos ou nas unhas de percebes que adora comer e partilhar. Vai à lota, lê o jornal, faz as refeições e ampara a sua Maria de Jesus que sendo mais nova, tem falta de auto-estima e de mimo. Este pai, é o melhor pai do mundo. Deu-me a vida, ajudou-me a crescer e preparou-me com a sua enorme sabedoria e generosidade, para a vida que hoje tenho e lhe agradeço para sempre. Quando Deus nos separar vai ser uma grande crueldade, apesar do António estar tranquilo em relação a isso por ter consciência plena que já ultrapassou a esperança média de vida. A sua pegada, como agora modernamente se diz, tem deixado marcas que me fazem sentir que ele é eterno e que nunca vai deixar de estar presente.
Depois da história segue-se a partilha dos momentos que fizeram desta Páscoa de 2016 momentos de grande envolvimento e de partilha, de saborosos momentos de degustação e de descoberta, de descanso e de grande serenidade. Estar neste Alentejo, nesta casa e não falar de pitéus é algo difícil pois como já ficou referido acima o pai António adora prendar-nos com o que de melhor sabe fazer em composições culinárias. Para a sexta-feira santa e para respeitar a tradição religiosa de não comer carne, elaborou um delicioso arroz de camarão com mexilhões da costa. Estava muito saboroso. A tarde de 6ªfeira foi abençoada com um sol que permitiu os termómetros atingirem os 20ºc o 
que me fez aproveitar para percorrer a falésia dos arredores. O caminho que fiz já me é bem conhecido mas cada vez que o percorro parece que se abre na minha frente um mundo novo e diferente daquele que já conhecia. Neste laboratório natural que é o Parque Natural da costa Vicentina as dunas oferecem-nos paisagens e enquadramentos difíceis de descrever. A variação morfológica, as cores, a vegetação que nelas predomina são tão heterógeneas que não parece haver dois locais de observação que sejam idênticos. A cor dourada dos grãos de areia que formam as dunas consegue mudar de dourado para branco e de granulometria fina e desagregada para zonas de compactação. A vegetação é rica em cor 
e forma encontrando-se aquela que nos delicia com uma flor oferecendo os seus pólens às delicadas abelhas e aquelas que formando aglomerados predominantes, ali se encontram com o objetivo de fixar as areias das dunas. Mesmo junto às falésias os habitantes do reino vegetal mostram a sua imponência fixando os solos enquanto outros se elevam em direção aos céus quais guardiões daquele mar que nunca me canso de olhar, de ouvir e de absorver. No percurso que fiz desta vez dediquei especial atenção à flora. Pode-se percorrer o mesmo trajeto várias vezes e as descobertas que fazemos são sempre diferentes. Os ângulos que fotografamos ou as variação da intensidade luminosa fazem dos 
mesmo percursos trajetos com interesses muito diversificados. Não sendo botânico vou tentar para além da fotos, referir-me a alguns nomes de plantas pelo conhecimento que me recordo dos populares, tentando depois a comparação com a sua classificação científica. A riqueza da flora é mais uma das atrações deste parque natural, pois para além das 750 espécies que acolhe, 100 destas são endémicas e 12 não existem em mais nenhum local do mundo. Os chorões da praia são uma espécie de vegetação muito característica deste local. Trata-se de uma espécie vegetal com pequenas estruturas em forma de dedos que se erguem sustentados em pequenos tentáculos suculentos e carnudos, de raiz superficial que 
se prolongam falésias abaixo ou pelas dunas formando tapetes muitas vezes impenetráveis a outras espécies (nome científico Carpobrotus edulis). Produzem uma flor que pode variar entre o amarelo e o lilás.
A Scilla é uma flor de pequenas dimensões, de aspeto frágil mas deliciosa, que prolifera por vezes em formas isoladas outras vezes em pequenos aglomerados juntos de outras vegetações de maior porte deixando a sua marca na paisagem pela sua cor azul forte e flor de pétalas frágeis. A Diplotaxis é outra espécie vegetal que caracteriza a paisagem por se apresentar em aglomerados amarelos que muitas vezes 
interrompem os tons esverdeados das outras espécies vizinhas. Junto à falésia é possível encontrar em locais específicos, grandes aglomerados de juncais que se deitam ao sabor dos ventos mostrando o poder deste elemento da natureza. Das falésias brotam pequenas nascentes de água umas em forma de gotas apenas, individualizadas ou em múltiplas lágrimas simulando pequenos salpicos de chuva. Aquelas cujo caudal o permite, arrastam consigo os minerais que se interpõem no seu caminho (habitualmente ferruginosos) depositando-os nas encostas xistosas, conferindo aqueles locais transformações cromáticas que interrompem a monotonia negra dos xistos de ardósia. Depois de uma tarde a 
percorrer caminhos conhecidos mas explorados sob um outro olhar, era tempo de retemperar forças físicas pois as forças emocionais foram reforçadas pela beleza observada e pela pelos aromas que nos perfumam a pele e entram pelas narinas e suguem o seu caminho até aos locais do nosso cérebro encarregues de os processar e guardar no arquivo da nossa memória. Lá permanecem para serem editados e processados em qualquer momento em que, no mesmo local ou noutro lugar afastado do mundo, o processo de recordação os chama para alimentar o filme que o nosso cérebro se encarrega de produzir para nós, produzindo sensações de calma, saudade ou simplesmente gratidão por ter vivido tamanha satisfação. Esperava-me em casa um lanche-jantar (sdinner, nome acabado de inventar para juntar o snack com o dinner) de percebes da costa. Os percebes, nome científico Pollicipes pollicipes são crustáceos de sabor intenso, constituído por duas partes, a unha ou capítulo, 
dura e calcária e o pedúnculo ou corpo propriamente dito. Este é mole e envolvido por uma 
pequena casca que se retira. Para que os percebes se possam retirar em condições de boa qualidade comestível têm que ser cozinhados com algum cuidado para que quando ao comer, a película que reveste o corpo carnudo saia inteira sem arrastar consigo o miolo delicioso do crustáceo. Este pitéu divino que se come quente, pode ser acompanhado com fatias de pão alentejano ao natural ou torrado e um bom vinho ou cerveja fresca. Para os dias seguintes esperavam-nos outras delícias gastronómicas. O almoço de sábado foi preparado com detalhes e requintes que só um entendido e paciente mestre de 
cozinha sabe orientar. A extraordinária feijoada de búzios com que fomos presenteados teve o início da sua preparação no dia anterior com a demolha do feijão caseiro que permanece a 
intumescer dentro de água de um dia para o outro. Os búzios são previamente lavados ainda vivos e com a casca, depois cozidos assim inteiros e posteriormente retirados da sua cosca dura e levados múltiplas vezes até ficarem livres da proteção viscosa com que vivem dentro da sua carapaça. Esta operação requer paciência e é obrigatória pois se a viscosidade permanecer junto ao corpo dos búzios, esta transmitirá ao preparado final uma consistência indesejável. Após a lavagem segue-se a cozedura que poderá demorar horas, em lume de lenha uma vez que este chefe de cozinha não gosta de utilizar a panela de pressão. O refogado é 
preparado com azeite, alhos, tiras de pimentos e depois da mistura já estar alourada, juntam-se os coentros. Os búzios agora cortados em pedaços pequenos são adicionados ao refogado seguindo-se as cenouras e o feijão. A água que se junta ao preparado é aquela que cozeu os búzios para que o sabor final fique apurado e sublime.

Wednesday, March 23, 2016

Bordeaux e Saint-Emilion entre vinhedos, arte e património da humanidade

Bordeaux foi a escolha para iniciarmos o nosso tour de viagens neste ano de 2016. A razão para a eleição deste destino foi provocada pelo acesso às informações da companhia aérea easyjet sobre a 
oferta de lugares a preços extremamente competitivos. Funcionou como uma espécie de acelerador de decisões. A vontade intrínseca de viajar, que temos mantido ao longo da vida continua a alimentar a nossa vida em todos os seus sentidos. Se as responsabilidades profissionais são mais exigentes, ou os fins de semana são consumidos em casa a ajudar o filho a estudar, a ver o sol pela janela e o mar ao fundo e a recalcar a vontade de virar costas a tudo e simplesmente partir, esta vontade de viajar tranquiliza-nos porque sabemos que, enquanto a vida nos permitir haveremos de viajar. Portanto estes sacrifícios diários são processados com uma dose de satisfação e acabam por facilita as estratégias de cooping e evitar o burnout. As pesquisas diziam-nos maravilhas de Bordeuax. A capital do vinho, as 
edificações históricas classificadas como património da humanidade, a paisagem vinícola, etc. O alojamento foi escolhido entre as opções do site airbnb. Tivemos algumas dificuldades porque apesar das múltiplas ofertas os preços eram elevados e muitas vezes tivemos que trocar preços mais acessíveis por localização geo gráfica para visitarmos a maioria da cidade a pé. Chegados ao aeroporto da cidade procuramos o autocarro da linha 1 que nos levaria ao centro da cidade por uns muito económicos 1.5 euros. Na paragem Palais de Justice trocamos para a linha de tram A e 3 paragens depois estávamos na Place du Palais a escassos metros do nosso alojamento. Estas informações foram gentilmente fornecidas pelo Maxime, o proprietário do nosso apartamento na cidade. Não podaríamos ter ficado mais bem localizados, mesmo no centro da cidade, junto à zona histórica  com as principais atrações por perto 
 e a dois passos do rio Garonne que banha a cidade. O tempo este excelente e na 6ªfeira de tarde fizemos logo um reconhecimento da região envolvente. Passeamos pela marginal até aos edifícios do Parlamento situado na Place de la Bource que representa uma das maiores atrações da cidade. Trata-se de um conjunto de 2 elegantes edifícios do séc. XVIII , projetados lado a lado, com uma ligeira curvatura em remi-circulo e separados por um outro edifício esguio em forma de torre. Em 2004 esta praça foi alvo de grandes obras de requalificação com a colocação de linha de tram junto ao eixo viário e em 2006 em frente à praça mas junto às margens do rio, foi construído o Miroir d’eau, o espelho de água maior do mundo, que tivemos a infelicidade de não ver 
a funcionar por se encontrar desligado por uma razão que não conseguimos saber. Este espelho faz efeitos de projeções, de vapor, neblina e jogos para miúdos e graúdos graças a estruturas fixadas nas lajes de granito. Esta obra requalificou o lugar permitindo refrescantes banhos nos dias quentes e transformando aquele local enquadrado entre a praça e o rio, um lugar de serenidade e romantismo. Viemos a descobrir, na visita noturna obrigatória a este local, que a magia da praça continua quando o sol se esconde dando lugar à magnífica iluminação de todo o edifício. Os candeeiros que ladeiam toda a zona marginal são adornados por 
abat-jours que libertam luzes coloridas de forma discreta. Dali deslocamos-nos para o outro lado da cidade percorrendo as ruas e apreciando as elegantes lojas de vinhos que proliferam por toda a cidade. Como não havíamos almoçado a meio do percurso sentamo-nos numa esplanada do Bistro du Paralement a tentar escolher uns petiscos que a nomenclatura francesa teimava em dificultar. Com engenho e arte e a ajuda precisa do simpático colaborador, lá provamos uma tábua de queijo e presunto e um paté de porco, delicioso. O vinho servido a copo seria a nossa primeira experiência vínica da cidade, uma maravilha. Mais confortáveis seguimos caminho até alcançar a famosa Rua de Santa Catarina que é a mais 
longa rua comercial da Europa com 1 km de cumprimento e interdita a carros. O lado que percorremos tinha lojas alternativas, que nos dificultavam a caracterização dos produtos que se encontravam à venda. Um exemplo, nos expositores de rua onde se incluíam manequins de montra simplesmente alinhados nos passeios, encontravam-se peças de vestuário que tanto poderiam custar 10 euros como 60 euros. As lojas não tinham a decoração cuidada das lojas de marca que conhecemos mas isso não significava que os preços eram mais convidativos. No final da rua, do setor que percorremos, encontramos a Place de La Victoire, uma enorme praça cheia de esplanadas também elas totalmente cheias de pessoas que bebiam e conversavam iluminados pelos magníficos raios solares que se faziam sentir naquela tarde. A população era maioritariamente jovem pois mesmo junto à praça encontrava-se o edifício da universidade. A atração principal desta praça é a Porta de Aquitane 
construida em 1753 em substituição de um portão medieval que fazia parte da muralha que cercava a cidade. Nessa noite decidimos jantar no apartamento pois o dia havia começado bem cedo e o cansaço apelava ao descanso do lar. Uma incursão ao Carrefour traçou o destino da nossa ementa que passou por um belo frango assado no espeto, entrada de camarão e um vinho escolhido sem qualquer recomendação, por entre as centenas de garrafas que estão à disposição dos clientes. Confesso que não sou o maior apreciados de vinhos mas todos os que provei em Bordeaux transformaram-me num apreciador e devoto. Provei apenas brancos e eram todos suaves e delicados com um paladar e um fundo de boca fresco e aveludado. O que escolhi para o jantar chamava-se Panache de Cyrano. A surpresa aconteceu quando abri a garrafa, era um vinho branco doce que se gostava cada vez mais a cada copo que se bebia. O 2º dia foi aproveitado para percorrer o resto da cidade, para que pudéssemos trazer no nosso curriculum de 
viajantes o maior numero de registos possíveis desta bela cidade. Assim e porque estávamos mesmo junto à Rue de Ste Caterine, fizemos o sentido oposto da rua que nos faltava conhecer e como que por artes de magia, aquele setor da rua nada tem de semelhanças com o anterior, parecem mesmo que a rua se transforma e transforma em lojas de marca, elegantemente decoradas convidando a percorrer o seu interior para apreciar não só os produtos mas também a decoração. Esta outra face da rua termina junto ao magnífico edifício da ópera da cidade com uma arquitetura em estilo coríntio. Nas proximidades deste emblemático edifício situação o posto de turismo local ladeado de magníficas lojas de vinho. O enquadramento desta região faz-se ao fundo com a Place de Quinconces. Ainda no términus da rua de santa Catarina e no passeio contínguo à ópera encontra-se uma escultura muito curiosa, de uma cabeça de mulher, enorme, com 7 metros de altura, em ferro fundido 
que se designa de Sanna. A Place de Quinconces tem várias esculturas distribuídas pela base do complexo onde são representados corpos de dimensões grandiosas, de homens e cavalos e uma que se destaca em altura. Pela história, esta é 
uma homenagem aos deputados moderados condenados à guilhotina na época do terror. O percurso pelas margens do rio permite contemplar ao longe a magnífica basílica de  Saint-Michel que não visitamos e a espectacular ponte de pedra de enorme extensão, que une as duas margens do rio, mandada construir por Napoleão I. Por cada rua percorrida em Bordeaux podemos perdermos a admirar uma igreja, um belo edifício histórico, uma loja de vinhos ou um elegante restaurante. Assim deambulamos por entre as ruas desta obra prima da arquitetura clássica. A catedral de Santo André é um bom exemplo do coração histórico da cidade. Erguida no séc III, impõe-se como marco de contemplação e de culto mesmo no centro da cidade. O edifício Rohan onde hoje se encontra 
instalado o hotel mais charmoso e requintado da cidade fica muito perto da catedral e vale a pena contemplar a sua fachada exterior que nos deixa vislumbrar um pátio que serve de antecâmara ao edificio principal que se encontra atrás do pátio e com passagem limitada por um portão e o respetivo porteiro. O almoço do 2º dia de visita à cidade tinha que obrigatoriamente ser no mercado  de Capucins. Para lá chegarmos percorremos a partir da ponte de pedra um bairro muito interessante, étnico e multi cultural onde haviam um enorme mercado de rua com tendas que vendiam de tudo. O mercado desenrola-se à volta da praça onde está situada a torre de Pey Berland, que se encontra separada da igreja e que permite 
obter uma bela vista da cidade  no cimo dos seus 232 degraus. Como nesta viagem me encontrava limitado com algumas lesões musculares não consegui ter esse privilégio. Percorrer a rua que nos levou ao mercado foi tarefa difícil pois as inúmeras tendas cheias de todo o tipo de objetos espalhavam os seus produtos até aos passeios e os milhares de pessoas que por lá se encontravam num vai vem de deambulação, tornaram a tarefa bem complicada. Nos meus pensamentos esteve permanentemente a possibilidade de por ali deflagrar um atentado uma vez que no dia anterior havia sido capturado o terrorista fugitivo dos atentados de Paris. Todo o esforço valeu a pena para chegar ao mercado onde entre bancas de frutas, peixe, queijos e enchidos, se encontravam alguns restaurantes. Elegemos 
aquele que nos encheu os olhos com uns pratos de mariscos variados de fazer crescer água na boca. Deliciamo-nos no Chez Jean-Mi com umas ostras deliciosas e apaixonantes que colocaram literalmente o mar dentro de nós. Haviam búzios, camarões, pernas de sapateira e tudo isto acompanhado com um vinho branco fresco e confortável. Não conseguimos não provar a sopa de peixe que vinha acompanhada com tiras de queixo e um molho que quando misturado transportava o conjunto dos sabores e dos aromas para 
fronteira entre os marcantes e exóticos sabores asiáticos e a frescura dos aromas do peixe e do mar ocidental. No regresso do almoço aproveitamos para visitar o Grand Cloche de Bordeaux. Trata-se de um edifício com duas torres erguido desde 1759 e cuja atração é um grande relógio de fundo preto, emoldurado e enquadrado na parte superior por um sino e duas torres que cónicas separadas por uma outra de geometria mais quadrangular com um cata vento que dança ao sabor do vento fazendo girar um leopardo dourado. Perto do nosso alojamento encontrava-se a Place 
du Palais cuja monumentalidade é a Porte du Cailhau que foi construída como um arco triunfal em homenagem à vitória do rei Carlos III na batalha de Fornovo em Itália mas fazia parte da estrutura defensiva que protegia a cidade de Bordéus no século XV. Tem 35 metros de altura e é uma excelente obra do Renascimento. A Place du Palais é uma praça simples com alguns cafés e a elegante loja Art et Vins. A procura de um lugar para jantar levou-nos a virar à direita a partir do nossa morada e descobrir um novo mundo dentro da cidade com ruas repletas de restaurantes com esplanadas, grandes janelas e montras de vidro que permitiam aos passeantes um autêntico passeio pelas artes decorativas destes espaços 
que se oferecem à rua com as suas esplanadas mas também com a elegância dos seus interiores. As lojas de vinhos são as vizinhas competem com elegância e glamour os espaços de repasto numa deliciosa descoberta ao virar de cada esquina. Com um magnífico jantar de carnes grelhadas nos despedimos de Bordeaux porque o último dia havia sido destinado a visitar Saint-Emilion a cerca de 40 km da cidade. O dia amanheceu cinzento e chuvoso, tempo com o qual já contávamos. A viagem de volta ao aeroporto onde alugamos um carro fez-se tranquilo pois era domingo e ainda muito cedo. Durante os trâmites habituais da empresa de rent-a-car percebemos que o aeroporto estava a ser patrulhado por soldados armados. Como estávamos em modo de férias e naturalmente menos vigilantes e 
menos informados, perguntamos a razão de tal procedimento sem o relacionarmos com a recente captura do terrorista na noite de 6ªfeira. Estaríamos certos se nos tivéssemos recordado disso. A razão era o alerta contra o terrorismo. Ouvimos logo de seguida uma informação sonora que informava a para a destruição imediata de qualquer objeto abandonado. Reparamos ainda nos ecrans informativos, mas também não valorizámos, um grupo significativos de voos atrasados. O nosso voo nem sequer estava ainda disponível para consulta porque era mais ao fim da tarde. Lá fomos no 
nosso Renault a caminho de Saint-Emilion. A saída e o sentido de orientação a partir do aeroporto não é fácil sem GPS pois não existe qualquer referência com o nome da localidade. Saímos em direção a Toulouse pela A 631 que depois de atravessar o rio nos orienta para a estrada nacional 230 e a seguir para a N89. Nesta estrada já surge alguma indicação para lá chegar mas depois há que estar atento pois a placa para Saint-Emilion é pequena e discreta e para além disso o nosso GPS indicava 3 Saints-Emilions cada um a uma distância diferente. Mas não havia dúvidas que estávamos no local correto. Neste desvio à esquerda a partir da N89 percorrem-se poucos quilómetros na A89 e logo nos ficamos rodeados de vinhas geometricamente alinhadas. Por esta altura do ano as cepas mostram apenas o 
tronco desprovido de folhas pois não é época de florirem. A cidade é medieval e monocromática. Os tons que predominam são o ocre. Iniciamos a visita entrando na igreja majestosa onde se celebrava a missa de domingo de ramos. Depois percorremos a cidade que nos envolve e nos faz recuar no tempo. As quotas do terreno permitem observar a cidade por diversos ângulos e patamares de altitude. Os vinhos são o coração desta terra medieval. Existem múltiplas lojas com 
 ofertas variadas e para todos os preços. Os restaurantes oferecem menus com preços para turistas, muito acima da média a tocar mesmo o exagero. Os arredores da cidade, que percorremos de carro, e até onde os olhos podiam alcançar avistavam-se quintas e castelos cuja atividade dominante era o vinho. Várias castas e outras tantas denominações eram assinaladas com placas quer nas diversas propriedades quer nas paredes dos edifícios. Optámos por não almoçar em Saint-Emilion e regressamos a Bordeaux para nos deliciarmos com um majestoso menu de beuf e magret de pato e uma sobremesa de café gourmet. Era tempo de regressar ao aeroporto, entregar o carro e fazer o percurso até à porta de embarque. Mal poderíamos imaginar que nos esperava a maior dor de cabeça 
de todas as nossas viagens. Assim que os nossos olhos se fixaram no nosso voo a mensagem a vermelho alertava-nos para o cancelamento do nosso e de muitos dos voos previstos. Ficamos desolados. O que se seguiu vem descrito no texto abaixo que serviu como informação de reclamação para a companhia aérea.
“Planeei o passado fim de semana (18 a 20 de março) na bela cidade francesa de Bordeaux. Fiz contas em família, planeamos os custos e aderimos à vossa campanha de custos aceitáveis para o voo que nos levaria a Bordeaux e nos traria de volta a casa. 
Para quem conhece Bordeaux, esta é uma cidade cheia de glamour e com imensas opções atraentes; provas de vinhos, restaurantes requintados e visitas aos arredores, entre outros. Cada visitante escolhe dentro das suas opções e capacidades a melhor forma de trazer na memória aquilo que se espera de 
uma visita deste género. Evitam-se gastos excessivos para quem como eu tem orçamento limitado e regras conscientes. Diz-se não aos filhos várias vezes quando as suas opções também já pesam no orçamento familiar. Evitamos o alojamento num hotel mais requintado e optamos por um apartamento mais económico, longe do que seria desejável. Não compramos aquele vinho divinal e caro, decisão que nos deixou pensativos mas felizes na mesma. 
Quando chegamos ao aeroporto depois de um fim de semana regrado e com o orçamento cumprido mas de alma cheia, rebentou o caos na nossa cabeça. Haviam cancelado o nosso voo de regresso que comprámos há várias meses e que nos traria de volta a casa com a nossa nova riqueza, a de conhecer mais um pedacinho do mundo. Muitas horas em filas e outras tantas reclamações, obrigaram-nos a ser peões de um jogo que não pedimos para jogar, um atentado aos nosso direitos como seres humanos. Sim, porque atentado aos direitos humanos não é só esmagar pessoas em campos de batalha ou privá-los das mais elementares condições de vida. Atentado contra 
os nossos direitos é também ignorarem as nossas necessidades e julgarem-se não responsáveis por isso em nome de uma causa que parece ser lei no mundo democrático, a greve. A proposta que nos foi feita seria ficarmos uma semana retidos em Bordeaux com alojamento e refeições pagas pela companhia aérea porque o voo de regresso que tinha disponibilidade para nos acolher só seria no domingo de Páscoa dia 27 de março. Disseram-nos isso com toda a naturalidade. Protestei com veemência porque tenho responsabilidades profissionais que são tangíveis de terem consequências sérias. Sou profissional de saúde e trabalho num hospital e com a semana de férias da Páscoa a decorrem em Portugal, com alguns colegas de férias  o meu serviço não estava assegurado e os doentes que me esperavam não podiam adiar os seus tratamentos. Fiquei muito preocupado porque a solução proposta, a de ficar uma semana retido em Bordeaux, era inaceitável para mim. Após esta minha observação foi-me dito que não podiam fazer 
mais nada. Nos balcões de reclamação do edifício Billy no aeroporto de Bordeaux sugeriram então que eu fosse procurar um voo de regresso noutra companhia aérea e que pedisse o reembolso do valor da minha viagem para ter direito a alojamento e jantar. A TAP Air Portugal teria um voo hoje de manhã pelas 11h30min. Consegui 3 lugares, uma vez que viajava com a minha mulher e o meu filho. A TAP pediu-me 692.07 euros pelos bilhetes de regresso (ver anexo). Fiquei sem palavras. Senti que estava a ser roubado e atraiçoado pela companhia Easyjet. Que direito tinha a Easyjet de me obrigar a gastar quase 700 euros para voltar para casa quando eu comprei esse regresso atempadamente? Esse valor representa o que ganho em dezenas de horas de trabalho em que estou privado da minha liberdade e da minha família. Voltei ao balão do Billy cumprindo o que me tinha sido proposto. Depois de 
tempos infinitos numa fila a senhora funcionária simplesmente mandou-me para o guiché 57 do balcão do check-in falar com outra colega. Aí voltei a reportar toda a situação e foi-me dito na cara que não tinha direito a qualquer alojamento porque tinha aceitado viajar noutro companhia aérea. Fiquei perplexo! Eram os procedimentos da empresa, retorquio a funcionária. Levantei a voz e fui logo ameaçado que se continuasse a falar naquele tom ficaria a pernoitar no aeroporto. Fiz ver à senhora que estava alterado porque fui apanhado no meio de uma situação com a qual não estava a contar, tinha gasto o plafon do meu cartão de crédito para poder regressar a casa e que tinha seguido as instruções da colaboradora do guiché anterior. 
Já li as condições de reembolso da easyjet que prevê a devolução dos valores em várias situações. Sei que a easyet não é diretamente responsável por todos os problemas que se passam nos aeroportos. Mas neste caso trata-se de uma situação que viola a confiança dos clientes e os coloca em situações em que as soluções são à medida de cada casa (ex:soubemos de um senhor que conseguiu voo na easyjet para Lisboa na 4ªf, sem quaisquer custos e a nós nunca nos foi dada tal possibilidade). Não tenho o direito de ser o responsável por um custo de quase 700 euros por um problema que não fui responsável depois de já ter pago e seguido todas as 
normas. O gasto desse valor era o que tinha previsto para a semana de férias da família neste verão de 2016. Com a situação financeira desfeita os meus filhos não terão as férias porque tanto anseiam todos os anos. Com esta minha atitude poupei à Easyjet centenas de euros em estadia de hotel e refeições durante uma semana. Gostaria que isso fosse tido em consideração. Afinal se todos podemos contribuir para minimizar as consequências cuja responsabilidade não é atribuída a ninguém”.