Saturday, May 7, 2016

Momentos de vida no Alentejo do mundo (na Herdade do Monte da Ponte - Xistos)

Não há pretextos para voltar ao Alentejo. Região considerada a mais desprotegida do país, de paisagem árida, característica e de gentes peculiares de tez carregada pelas marcas deixadas pelas 
dificuldades da vida. Visitar o Alentejo é voltar às minhas origens. Considero-me uma semente deste pedaço de terra que, observado sem pormenor, parece que não alterou nos últimos 40 anos. É somente uma falsa percepção, porque, tal como eu germinei e cresci, este parque natural, mantendo a sua genuinidade soube-se mostrar ao mundo dando a conhecer o seu enorme potencial. Hoje é considerado um dos locais mais genuínos e preservados da Europa. Encerra nas suas fronteiras uma alma única onde o clima se alinha com a paisagem e onda a gastronomia, hoje de autor e consagrada mundialmente, foi sustentada nas dificuldades dos tempos antigos. A necessidade nem sempre significa desespero e acomodação, ela é também motor de criatividade e em terras onde não havia fartura, o pão substituía a carne e as ervas aromáticas os temperos mais finos. Desta forma nasceram receitas e experiências culinárias que hoje merecem destaque em conceituados programas de gastronomia. Do litoral ao 
interior esta terra onde o tempo parece que não tem pressa de passar, tem inúmeros tesouros por descobrir. Desde campos arqueológicos que nos fazem recordar que outros povos antes de nós também já apreciavam a beleza e os encantos deste solo ao sul da Europa, até aos monumentos, arte sacra e paisagens naturais que não nos cansamos de admirar. O Alentejo de hoje é um Alentejo do mundo e os tempos que se vivem são momento de vida únicos. É em busca destes preciosos e únicos momentos que, portugueses e estrangeiros de todo o mundo percorrem por trilhos ou estradas, mais ou menos informados e orientados, pelos caminhos à descoberta do vasto património que o Alentejo tem para oferecer. Longe vão os tempos em que, apesar da humildade no acolhimento, havia carência de locais onde receber e mimar os ilustres e bem-vindos visitantes. Hoje estes espaços têm surgido um pouco pela vasta área que cobre o Alentejo. São projetos de bom gosto, muita qualidade e 
apostam essencialmente em oferecer aquilo que é genuíno, não esquecendo nunca as raízes do passado que deu alma a este lugar mágico e único que é a planície alentejana. Recentemente tivemos a oportunidade de conhecer mais um projeto de alojamento no espaço rural, recém- inaugurado. Encontra-se localizado a 18 km da capital alentejana de Beja, na estrada que liga esta cidade a Mértola. Encontra-se implantado no meio de uma herdade de mais de 400 hectares de terreno ao serviço do pastoreio e da criação de gado bovino e ovino. A ornamentar os vales e as planícies encontra-se manchas de sobreiros, azinheiras e alfarrobeiras, conferindo à paisagem uma impressão quase artística. Este novo projeto de alojamento nasceu, foi pensado e projetado com muita vontade de expressar um conjunto de ideias e muitas sensibilidades para que o resultado final não fosse apenas mais um conjunto de paredes e de 
serviços. O próprio nome do projeto, Xistos, representa a simbologia, o significado e a importância que estas rochas metamórficas, que se encontram em alguns locais da propriedade, representam para a principal responsável pelo projeto, a arquiteta, professora, botânica, biólogo, gestora e mulher de muitas sensibilidades, Paula Conduto Mira. A entrada na propriedade faz-se por um portão cujo código de acesso nos é dado apenas no momento da chegada. Para lá do portão o mundo transforma-se, espera-nos um caminho rural, por vezes difícil de percorrer (no dia da nossa chegada o Alentejo foi abençoado pela chuva e o barro característico do terreno transformou-se em lama vermelha com cheiro a terra) mas que nos compensa com o silêncio e a beleza da paisagem envolvente. A única perturbação ao longo do caminho foram as vacas que nos olham com ar desconfiado, algumas encontram-se mesmo no meio do caminho, o que para os visitantes pouco habituados a estas companhias causa algum stress por apenas pensarem que elas se podem enervar e atacar. Não podíamos estar mais enganados e a prova disso sentimo-la mais tarde quando percorremos os magníficos caminhos da propriedade a pé para sentir o silêncio e a fusão de aromas que perfumava os campos. São 6 os quartos que nos esperam na zona do alojamento. Existe também um espaço comum onde os hóspedes podem conviver, tomar um chá, ver televisão ou ocuparem.se com leituras. Todo o conjunto foi construídos de forma sóbria, de paredes direitas, pintadas de branco, tendo sido utilizadas algumas pedras de ornamentação. A anfitriã é a Margarida, uma senhora alentejana, de sotaque carregado, que transborda de simpatia e nos recebe como se fossemos da casa. Vi nela que não precisou de nenhuma formação específica de hotelaria e 
turismo para fazer bem o seu trabalho. É uma força viva que concentra as suas energias para agradecer a visita e proporcionar com tudo o que tem ao dispor, uma estadia muito para além do agradável; familiar, desprovida de formalismos exagerados e preenchida com pequenas sensações que ultrapassam as paredes, o design e tudo o que se encontra para além do estilo e do conforto.
Tivemos direito a uma visita guiada pelos diversos espaços, que refletem bom gosto e sobriedade sem pretensões de ostentação excessiva. Os apontamentos decorativos refletem o espaço onde nos encontramos com referências ao Alentejo, ao novo e ao velho Alentejo, sim porque a vida é feita de memórias e de respeito pelas ideias e pelos projetos dos outros que antes pisaram aquelas terras. Todos os quartos têm abertura e passagem direta para a piscina que se encontra a poucos passos dos decks que constituem os pequenos espaços reservados de cada alojamento. Não há barreiras arquitectónicas, apenas espaços, 
verdes com flores e o horizonte da paisagem que se oferece como uma tela aos olhos de quem pára para olhar com olhos de ver. A tarde foi passada a sentir o valor da terra e do silêncio, apenas interrompido pelo chilrear de algum pássaro ou pela dança dos ramos das árvores quando o vento sopra uma brisa mais forte.

À noite tivemos o privilégio de conhecer também o marido da Margarida que se dedica a cuidar daquela imensidão de terreno e das centenas de cabeças de gado, mais de 100 vacas, sem contar com aquelas que não estão em idade reprodutora e 200 ovelhas. Aprendi com ele que as vacas também têm sentimentos e quando ainda bebés, se privadas das suas progenitoras por algum infortúnio do destino, quando as suas mães têm a pouca sorte de não sobreviver ao parto, muitas deixam de comer e desenvolvem-me sempre menos que as outras. Vacas e ovelhas respondem ao chamento do sr. José, pois percebem o que ele diz. Estes animais quer bovinos quer ouvinos são aqui criados com o objetivo da comercialização ao abrigo da certificação de produtos DOP designados com a marca Carnealentejana. No meio desta conversa tivemos o 
privilégio de conhecer a alma do projeto que entretanto chegou. A Paula é uma mulher especial, dona de uma grande experiência de vida onde nem sempre tudo lhe correu de feição. Esses tapetes que escorregaram não a fizeram nunca cair, ao invés, funcionaram com estimulantes do seu sistema imunológico criando resistência e resiliência. Hoje continua a lutar por aqui em que acredita, sabe ouvir, sabe ver com olhos de ver, como ela gosta de dizer. É portadora de uma enorme sensibilidade e valoriza os pequenos detalhes, que podem transformar situações banais em momentos de vida com grande sabor. Conhecemo-nos à volta de um delicioso chá preparado pela Margarida. O chá que é consumido na propriedade é proveniente de outra projeto da nora da Margarida que cultiva chá de ervas aromáticas a alguns kms da herdade. Ficamos a saber que todo o projeto está inserido em zona de várias  reservas como sejam, a reserva ecológica nacional, a rede natura e a rede 
protegida de Castro Verde, e foi projetado respeitando integralmente o meio ambiente, sendo totalmente auto-sustentável. Toda a água que é consumida no alojamento vem de uma pequena barragem e é tratada com um sistema de filtros até estar em condições para ser consumida. É aquecida com lenha proveniente da herdade. A energia que alimenta todo o alojamento é proveniente de painéis fotovoltaicos e armazenada em dezenas de baterias que são auxiliadas por um gerador. Existe ainda um aerogerador eólico (danificado na altura da nossa visita). O sono foi embalado pelo silêncio da herdade e pelos sons distantes provenientes do animais no campo. O dia seguinte amanheceu com um sol brilhante como só o alentejo nos sabe oferecer. Esperava-nos um pequeno almoço delicioso preparado pela Margarida e pela Paula onde não podiam faltar iguarias locais com diversos tipos de queijos, o delicioso e único pão alentejano acabado de chegar pelas mãos do Dr. Conduto, 

pai da Paula, sumo de laranja natural, bolos diversos e muita atenção e carinho. A seguir ao pequeno almoço esperava-nos o ponto alto desta nossa visita que culminou com uma visita guida pela Paula a uma zona da herdade denominada de mini-bosque. Trata-se de um vale onde passa uma ribeira e que, à primeira vista, para os mais distraídos, não passaria de mais uma zona da herdade, encaixada entre 2 planaltos com um curso de água, encostas de xistos e cobertura de vegetação. Mas ali é preciso aprender a ouvir o som do silêncio, olhar com olhos de ver para as plantas silvestres ao nosso redor, e claro, na primeira vez, uma expert em todos estes pormenores que a natureza ali colocou para que possamos apreciar. Outro dos projetos em que a herdade está envolvida é no desenvolvimento de produção de recursos silvestres, nomeadamente na disseminação de plantas aromáticas e medicinais. 
Este projeto envolve parcerias com laboratórios e uma universidade no sentido de se desenvolver uma linha de produtos cosméticos e medicinais, com uma marca apelativa "Um" já em curso, e brevemente disponíveis para comercialização. No percurso ao longo da ribeira, que desta vez tinha curso de água por ter chovido no dia anterior, podemos encontrar variadas plantas aromáticas desde a esteva conhecida pela sua folha oleosa e a sua bela flor esbranquiçada  de centro amarelo, até ao rosmanhinho verde ou branco, o funcho ou o sargaço, as silvas, os loendros, os musgos e os lírios do campo. Por cada passo que damos é possível observar, sentir e cheirar as plantas naturais em estado selvagem que constituem as espécies autóctones alentejanas. Neste pequeno laboratório natural aprende-se a observar com cuidado e a apurar os sentidos para ouvir os sons dos pássaros e cheirar o perfume dos aromas que cada uma daquelas plantas nos entrega de forma livre e gratuita. Com uma guia que 
nos ensina a ver e a pensar de outro modo, o outro lado da vida, a da reflexão, da partilha, do saber ouvir, da luta e da perseverança e das múltiplas sensibilidades, adquirem-se em pouco minutos pequenos skills que nos ajudam pelo menos a pensar que existem outras armas a que podemos recorrer para dar outro sentido e melhor orientação às múltiplas dificuldades que nos surgem. Muitas vezes, talvez pela modo formatado como hoje vivemos, a nossa mente apenas nos aponta caminhos alternativos que não ajudam a resolver mas sim a prolongar ou a modificar uma situação que, se processada com a ajuda de um sentido maior de sensibilização, nos levaria a encontrar outro modo de estar e de enfrentar a vida. Despedimo-nos deste local com vida e cheio de projetos e de sonhos, com muita vontade de voltar em busca de mais equilíbrio, novas aprendizagens e novos momentos de vida.