Monday, March 11, 2013

A place inside the city (Lx Factory)

Lx factory, uma designação carregada de estrangeirismo porque soa bem, porque traduz tudo o que lá tem, porque é preciso mostrar ao mundo o que se faz por cá, já agora numa linguagem que (quase) todos entendam.
Alvo de inúmeras reportagens, o espaço mostra que dentro de portas há, como sempre houve, muita imaginação e adaptação a novas e muito diferentes realidades. O local escolhido para tal experiência situa-se em Alcântara ali para os lados do largo do Calvário, na rua Rodrigues Faria número 103. Sabe-se por aqueles que conheceram e pelos que nada sabem mas que têm curiosidade em saber, que o espaço foi outrora o coração de uma grande indústria topográfica. Prédios altos, extensos armazéns paredes direitas e nuas. Tudo está por embelezar e modernizar. As paredes exteriores são antigas como antigas são as construções que lhe dão forma, os passeios, as ruas e toda envolvência. Ao entrar para lá do portão, depois de uma prova de paciência para tentar estacionar, o passeante fica verdadeiramente surpreendido. Em cada esquina, em cada rua, por cada sítio para onde se olha, o sentido é de espanto. No meio dos velhos armazéns onde se produziram os cartazes e os panfletos de antigamente, hoje pomposamente designados de outdoor, folhetos ou flyers, reina a diversidade, a imaginação e a adaptação de espaços absolutamente espantosos.
Quem aqui “vive” ou, os que lá “moram”, designados de residentes, disponibilizam para quem os quiser visitar, áreas tão distintas que vão desde a arquitectura ao design, passando pela restauração, comércio, publicidade, moda, artes plásticas e performativas, música, novas tecnologias, comunicação e marketing, entre outras. Mais informações em http://www.lxfactory.com/PT/residentes/. Quando se entra neste local é-se invadido por uma mistura de sentimentos que nos transportam além-fronteiras para locais tão próximos mas tão distantes e peculiares como são os velhos mercados londrinos, por exemplo. Cada esquina é um mundo a descobrir, recantos e paredes para explorar. O conceito, à luz da linguagem moderna é marcadamente alternativo. Não existe uma disposição por áreas, pelo que, na mesma rua convivem side by side restaurantes, lojas de comércio ou livrarias.
O propósito da visita a esta aldeia do futuro dentro da velha e magnífica Lisboa, era naturalmente conhecer o espaço que há muito era acompanhado pelas notícias e reportagens do media mas também para alimentar as saudades de um bom repasto à tradicional moda italiana. O restaurante referenciado pela amiga habitual destes bons momentos da vida, a Susana, era a mesa (www.amesadolx.pt). Eu diria que outro nome adequado ao espaço e compreenderão pela descrição que se segue seria “à mesa”. De um chefe seu conhecido, que se tornou amigo, o local não poderia ter sido mais bem escolhido. A primeira impressão quando se entra e que marca é o requinte inovador criado pela união do passado com o presente. Logo à entrada, a peça que se apodera de nós é uma velha cadeira de barbeiro.
Sim, uma cadeira que certamente já serviu para cortar muitos cabelos e barbas, daqueles verdes com manípulos cromados, ali na entrada virada para os visitantes. Na parede próxima da cadeira um cartaz original com frases e números conta a história do 1º ano do restaurante. Depois deste impacto aprecia-se o espaço que se encontra discretamente reservado com uma fileira de canas de bambú e sofás antigos instalado de forma a parecerem uma sala vintage onde não falta o telefone de disco que faz as delícias das crianças da era dos smarphones. A partir daqui encontra-se um casamento perfeito entre o vintage e o moderno. O espaço comensal é constituído por uma única mesa, enorme, que ocupa toda a parte central do restaurante com formato rectangular. À voltada mesa e para quem gosta de apreciar podemos deliciar o olhar com uma máquina de café vintage, uma fiambreira do outro século, uma velha batedeira eléctrica, estantes anos 80 com livros e cabides forrados a napa.
Todos estes objectos fazem parte do meu passado e da minha infância pois cresci no mundo da restauração e ainda hoje me recordo o quanto era engraçado e por vezes desajeitado, adaptar o manípulo da máquina para que o café saísse sem borras. As cadeiras à volta da mesa são inúmeras, antigas e quase todas diferentes e cada cliente que chega ocupa um espaço na mesa comum em frente a um pedaço de tecido quadriculado que lhe serve de toalha ou toalhete. No decorrer da noite a mesa vai ficando preenchida de pessoas distintas e de diferentes opções gastronómicas num ambiente que faz lembrar as mesas festivas das famílias portuguesas de gente numerosa. Os menús são apesentados em páginas de livros antigos onde foram coladas as ementas, apontamento muito original. O destaque na ementa é o nome dado às pizzas.
Cada uma designa-se através do nome de um bairro lisboeta. Ficou por saber como se ligaram os ingredientes aos nomes dos bairros. Assim não é de estranhar ver por lá a pizza bairro alto, lapa, campo de ourique ou são bento. O sabor, esse é dos deuses, massa fina, estaladiça, os queijos a derreterem-se na boca. Outro aspeto sui generis é que se pode comer simplesmente à mão, sem talher nem prato, apenas palitando os diversos pedaços das variadas pizzas que pedimos. Uma experiência única que nos preenche o corpo e reconforta a alma. O toque final, olhando para um e outro lado da mesa era a de encetarmos conversa com as pessoas ao nosso lado. Esse aspeto por nós comentado e tão típico da tão tradicional abertura e simpatia portuguesa não foi conseguido transformando aquele jantar de proximidade em múltiplos diálogos pouco direccionais. Uma pena pois transformaria aquela experiência em algo verdadeiramente único. Certamente este comportamento é fruto destes tempos em que pessoas se isolam cada vez mais no meio das gentes transformando o ser humano num ser sozinho e solitário apesar de viver rodeado de gentes. No final tivemos oportunidade de conhecer o chefe que irradiava simpatia e que nada se importou de nos prendar com uma foto para recordar.
Antes da hora reservada para o nosso jantar tivemos oportunidade de visitar um espaço único onde se podem encetar experiências como sejam ler um livro, tomar um copo, ouvir música ou mesmo assistir a um evento científico com um cientista experimentador. Chama-se Ler Devagar! Trata-se de uma livraria única num espaço onde o tecto se encontra a vários metros de altura. Aqui funcionava a antiga gráfica Mirandela e ainda lá se podem observar as máquinas que dedicadamente desempenhavam as suas funções. As estantes ocupam as paredes do chão ao tecto e para que as obras possam ser apreciadas existem diversos caminhos e escadarias desnivelados que permitem passear por entre estantes repletas de obras, expositores com cd e leitores portáteis, cadeiras, sofás e mesas onde simplesmente nos podemos perder entre uma música que escolhemos, um livro que desfolhamos e um copo que complementa a nossa experiência . Um espaço para visitar devagar, apreciarcada detalhe e usufruir de momentos únicos.

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