Na continuação das restrições
orçamentais impostas ao país e já devidamente confessadas no post
anterior, os últimos dias de férias foram eles também projetados em cenário low-cost.
Esta mudança radical do formato das férias juntamento com a perceção
de que estes foram os últimos dias de descanso do ano de 2012, trouxe um sabor
marcadamente frustrante e de adaptação a esta nova realidade. Para trás ficaram
anos de intensa diversidade no que diz respeito à organização de viagens e
preparação de locais a visitar. Este tempo de fervilhante atividade turística
fez-nos acreditar que a vida iria ser assim, sempre! Fruto do nosso
investimento pessoal e dedicação ao trabalho, à vida familiar e académica,
aquele seria o desenrolar normal da vida daqueles que, orgulhosamente orientavam
as suas finanças para alcançarem com orgulho e mérito o prémio de conhecer um
pedacinho do mundo.
Mas no complexo mundo em que vivemos e que durante cerca de 3 décadas fez acreditar aos portugueses que a fórmula da gestão económica das famílias estaria a salvo dos “desvios” e esbanjamentos perpetuados pelos dirigentes políticos, caiu por terra quando o país se viu a braços com défices financeiros astronómicos que levaram consigo as economias dos melhores gestores ainda que amadores que são os trabalhadores das famílias portuguesas. E levaram-nos o dinheiro e os sonhos, a esperança e o presente que todos projetávamos no futuro. E com este sabor a derrota da qual não nos sentimos culpados lá fomos a caminhos dos nossos últimos dias de férias. O destino selecionado tem uma profunda relação connosco pois a aldeia que hoje merece finalmente uma homenagem neste post é aquela onde cresci depois de interromper a minha infância aos 10 anos, até então passados na Alemanha que hoje e sempre recordo com muita saudade.
Quando cheguei a Almograve em 1976
havia trocado a minha aldeia na floresta negra no sul da Alemanha, Maisenbach, longe
do mar, por esta aldeia de pescadores e comerciantes que se erguia a poucos
passos das dunas e de uma das belas praias da costa alentejana.
Aqui frequentei
o ensino primário que era complementado com uma intensa atividade laboral no
estabelecimento comercial dos meus pais. Sim aos 10 anos de idade eu trabalhava
afincadamente, talvez não por obrigação direta dos meus pais mas por uma
necessidade que em mim crescia (talvez tenha nascido comigo) de mostrar a
necessidade de colaboração e apoio. Lembro-me de chegar a sentir uma enorme
satisfação interior quando se aproximavam as longas férias de verão que me
deixavam tempo livre para me dedicar à minha nova ocupação que era trabalhar no
restaurante. Lembro-me de, pelo caminho vindo da escola no último dia de aulas,
pronunciar em alemão drei monate café servieren - três meses a servir
cafés - e isto dito com muita satisfação e alegria. Eu passava literalmente as
férias grandes de verão a trabalhar no restaurante onde fazia de tudo, desde
lavar copos, descascar batatas ou servir às mesas e não me perguntem porquê mas
adorava fazer aquilo. À medida que a idade foi avançando a entrada na
adolescência trouxe alguns dissabores uma vez que agora já sentia obrigação de
apoiar o trabalho como se fosse um funcionário o que não me deixava tempo livre
para fazer aquilo que os da minha idade tinham direito durante o verão: ir à
praia, namorar, andar de bicicleta etc.
Mas todo o esforço tem uma recompensa
e, à época (década de 80) os louros que colhia pela intensa dedicação valiam
por todo o investimento. Cresci depressa, tornei-me responsável e dedicado ao
trabalho como se aquela fosse a minha especialização e confesso hoje aqui que
me saía muito bem em todo o trabalho que desenvolvi, desde trabalhar no balcão
ou mesas até à elaboração de ementas ou gestão da caixa registadora e atingia a
perfeição nas relações com os clientes. Aos 17 anos e em troca da minha
dedicação, voava para os Açores e Madeira como nenhum outro jovem da minha
idade o havia alguma vez feito por aquelas paragens. As férias em Lisboa com
dinheiro no bolso para gastar eram esperadas com muita ansiedade tirando até
noites de sono e sonhos de um futuro que passaria por sair daquela pequena
aldeia paraíso mas que para mim representava na época apenas trabalho e prisão.
Não me recordo nunca ter tido vontade de seguir aquele tipo de vida. Estava
cansado e precisava sair daquele mundo e estudar, conhecer e ver o mundo e
viver novas experiências que passariam sempre por uma intensa dedicação aos
estudos que sempre me acompanhou.
Julgava que daria um bom médico mas nunca
tive possibilidade de atingir médias que me permitissem sonhar com essa
profissão. Não me recordo de naquela época apreciar aquele mar e aquela
paisagem única, hoje paisagem protegida e um bem a preservar com os mesmos
olhos de hoje. Até porque tal não poderia ser. Aos 17/18anos quer-se conhecer o
mundo, abrir asas e voar e foi o que fiz após concluir o 10º ano na Escola
Secundária de Odemira. Daquelas vivências ficou o cheiro do mar, a cor das
dunas que ainda hoje aprecio com grande satisfação, ficaram as relações sociais
com os amigos do grupo, as noitadas sem dormir, os copos dos bailes e das
passagens de ano que duravam até de madrugada entre as areias da praia e os
recantos das rochas até aos banhos noturnos, a boa disposição e intensa alegria
que constituía a minha forma de estar. É deste património pessoal e natural que
faço hoje este post.
As paisagens daquele lugar são únicas e a relação
do complexo dunar com o mar e com a aldeia é algo que não se descreve. A aldeia
cresceu e evoluiu e deixou de ser a aldeia da minha juventude. Valeram os anos
do boom económico e da construção explosiva, conseguindo-se no entanto
não massificar excessivamente mas apenas modificar a mancha de casario que
agora predomina em habitações modernas de um piso substituindo as antigas casas
da aldeia apenas térreas. A praia de Almograve é única com um extenso areal
dividido por um complexo rochoso separado por uma passagem e por isso denominado
de rocha furada.
Pelo litoral em direção a sul encontram-se pequenas enseadas a
maioria cobertas de rochas xistosas (ardósia e outros xistos) de cor negra, com
diversas orientações estratigráficas. No final da estrada de terra batida
encontra-se um pequeno porto de pesca conhecido desde sempre como Lapa das
Pombas. Por aqui pescam-se e apanham-se os melhores peixes e mariscos que alguma
vez tive o privilégio de provar e que hoje as grandes revistas da especialidade
atrevem a classificar com dos melhores peixes e mariscos do mundo.
Percorrer
este trajeto nesta marginal rústica permite contemplar paisagens e atrair
pensamentos como em nenhum outro local. A beleza é esmagadora com o azul do
oceano a contrastar com o negro das falésias e com as mais belas dunas douradas
que conheço. É uma experiência que vale a pena viver e sentir devagar. O
trajeto a rondar cerca de 3 km leva-nos à observação da flora e da geologia
local, qual laboratório natural ali presente a pedir para ser analisado. Para
norte da praia estende-se outras enseadas e outras praias sendo as mais
conhecidas a praia da foz que serve de estuário a um pequeno ribeiro e que
pelas suas características (mais afastada da aldeia e areal menos extenso) é
preferida pelos que procuram tranquilidade e beleza. Segue-se outra pequena
praia a que os locais chamam de carreiro longo, não porque seja extensa.
A
designação de carreiro é atribuída aos complexos rochosos que se perfilam em
alinhamentos perpendiculares ao mar e na altura de maré baixa permitem a
exploração dos seus buracos e pequenas grutas que muitas vezes oferecem aos
pescadores e mariscadores mais pacientes, navalheiras, polvos e caramujos que
são autênticas iguarias. Continuando o caminho pelas dunas, aproveitando os
trilhos agora traçados pelo gabinete do Parque Natural do Sudoeste Alentejano,
chega-se finalmente à praia do Brejo Largo. Ouço falar nesta praia desde miúdo
pois nos meus primeiros anos de vida tive o privilégio de morar com os meus
avós, Mariana e Joaquim a quem presto aqui uma grande e saudosa homenagem, num
monte muito perto deste local.
Lembro-me do monte, do seu aspeto físico exterior
e das divisões interiores. Lembro-me do enorme terreno à volta, das vacas, das
galinhas, perús e pintainhos, dos coelhos e dos cães, do burro, do quintal e do
poço. A memória dos meus 4/5 anos ainda hoje me trás recordações dos aroma do
pão quente a sair do forno, das torradas feitas no carvão ou da fatia de pão
barrada com banha corada e carne conservada na panela. Recordo com muita
clareza a preocupação da minha avó quando via aproximar o jipe da guarda, ao
longe, ansiando más notícias dos meus pais que estavam na altura demasiado
longe daquele mundo puro e natural. As dificuldades da vida de então forçaram a
sua emigração para a Alemanha deixando para trás, nos primeiros anos os 2
filhos pequenos. Recordo-me do quando me escondia da minha mãe quando ela nos
visitava. Sendo criança e passando muito tempo afastado dela estranhava a sua
presença escondendo-me por detrás das pernas da minha avó.
A praia do Brejo
Largo é considerada uma das pérolas desta região litoral. Atinge em dimensão
mais de 2 vezes a praia do Almograve e é precedida, quando se caminha no
sentido sul, por um complexo de maravilhosas enseadas recortadas por rochas que
formam uma sequência de tão belas paisagens a que ninguém consegue resistir,
pela beleza e pelo fator surpresa que causa quando se quer observar o que está
por detrás de mais uma parede rochosa. É com estas recordações e com esta
descrição que poderia continuar que termino este que é um dos posts que
mais me fez recuar e recordar o meu passado que me parece ainda tão presente.
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