Friday, June 10, 2016

Madrid encantada, histórica, tolerante e cultural.

Madrid é uma cidade que me encanta. Encantam-me as pessoas, o modo como vivem e se relacionam, como sorriem e como falam das coisas banais e mundanas ao redor de uma mesa de esplanada degustando 
uma bela cerveja e sempre, sempre “picando” algo. Posso voltar a Madrid vezes sem conta e sempre encontro motivos para querer revisita-la. Desta vez o mote foi  a tourné do gigante mundial da musica pop, Paul McCartney. A digressão não passava por Lisboa e proximidade e a vontade de viver este momento foram gatilhos mais que suficientes para viver mais uma bela experiência. Planear uma viagem nunca foi tão fácil e não pensem os contabilistas mais audazes que é preciso gastar uma fortuna para se viajar e procurarem novas experiências. É preciso querer e fazer desta vontade uma prioridade nas nossas vidas. Quando estamos a viver o quotidiano, em nossas casas, na nossa ocupação, estamos a sobreviver mais do que a viver, pois encontramo-nos desde que nos levantamos, na nossa bolha de conforto onde o inesperado raramente acontece e onde encontramos as respostas para quase tudo. Para muitos de nós esse é o modo de vida ideal, sem surpresas ou sobressaltos. Para mim isto é obrigação para ganhar algum dinheiro e poder corresponder ao que a sociedade exige de mim enquanto cidadão responsável que paga as contas e os impostos. Claro que as horas que consumimos da nossa vida a ocupar-nos com as habilidades para as quais nos preparamos, fazem sentido na nossa vida porque nos preenchem e nos fazem sentir uteis e realizados enquanto pessoas que produzem e, e no meu caso, de algum modo contribuir com os diagnósticos, a educação para a saúde e a formação, para o bem-estar de outras pessoas. Sinto assim que faço um trabalho útil que terá algum impacto e fará alguma diferença na vida de alguns. Para desempenhar as minhas tarefas e contornar a saturação e o stress, procuro encontrar em 
tudo o que faço algum sentido e utilidade para que cada gesto constitua um pequeno desafio. Tento afastar-me cada vez mais da realidade conhecida e estabelecida. Essa monotonia faz-me mal, não me estimula e muito menos me obriga a procurar estratégias para desenvolver competências para as quais não estou preparado e não tenho respostas. Sou uma pessoa de desafios, cada vez mais. Confesso que não fui assim sempre, embora aventureiro e ávido pelo desconhecido, já tive medo de não ter respostas, de não me sentir confortável e de não dominar. Nos últimos anos sinto que os desafios fazem parte da minha vida, Apetece-me ser posto à prova, procurar o desconhecido e perceber como me comporto e resolvo situações que são de todo desconhecidas para mim. E viajar torna isto possível. O mundo é tão grande e tão diferente, cada vez mais diferente apesar de vivermos na era da globalização. O que se globalizou foram as tecnologias e o comércio. As pessoas continuam diferentes, as línguas que se falam no mundo não mudaram, as crenças, a cultura e as religiões também não. Viver é isto, é ir procurar no mundo estas diferenças e perceber de que matriz este 
mundo é feito. É perceber que alternativas temos quando não entendemos uma língua, que códigos existem para que os povos se possam entender, afinal a comunicação faz parte dos mais ancestrais costumes da humanidade. Viver é também perceber e respeitar todos aqueles que são e pensam diferente de nós, fruto das histórias a que pertencem, porque os locais onde vivem lhes transmitiram outra visão do mundo. Por vezes é difícil aceitar as diferenças com que nos deparamos, entramos logo em modo de repulsa, de incapacidade de compreender e ativamos os mecanismos do desrespeito por aquilo que consideramos elementar e de direito, mas antes de julgar temos que tentar entender. Claro que excluo destas diferenças o radicalismo e o fundamentalismo que mais que uma forma de vida é uma forma de guerra e de barbárie, de doença mental e de procura maléfica do poder à custa da destruição dos outros. Tal como nós não entendemos porque uma mulher oriental tem que andar protegida dos olhares do mundo, as sociedades onde estas mulheres cresceram consideram que a nossa forma de vida é demasiado liberal. Este tipo de diferenciação cultural, códigos de conduta e perceção do mundo, fazem da humanidade a mais interessante das matrizes da existência, sendo também o grande motor da intolerância e do desrespeito pelos que são considerados menos naturais e desviados da normalidade, seja pela sua cor de pele, seja por aquilo em que acreditam. Esta matriz heterogénea é também o grande motor que incentiva os menos bem preparados emocionalmente ao confronto e à intolerância extrema. Hoje mais do que nunca, em determinadas partes do mundo, se vivem estas diferenças com extrema malignidade como se tudo o que é diferente fosse alvo de ataque. É necessário perceber porque tomou a humanidade este rumo. Nos meus tempos de miúdo mostravam-se filmes do futuro com robots todos iguais e programados por um punhado de interessados em comandar o mundo. Pois chegados ao séc XXI, como ainda não colonizamos robots em fábricas, queremos aniquilar todos os que não obedecem a ordens e a condutas pré-determinadas por uns quantos que se assumiram donos da verdade e da vida. Eu sou apaixonado pela diferença e arrisco-me a dizer mesmo que a salvação da humanidade está nesta enorme diferença e diferenciação. Já Darwin provou isto com a sua teoria da evolução das espécies embora ele focasse bem que apenas sobreviviam aqueles que, tendo genética e ambiente favorável, se conseguiam adaptar melhor. Ora com os humanos as coisas não podem ser assim. Somos a espécie superior na pirâmide da evolução animal, sim. Somos também a mais conflituosa e a mais cruel para com os semelhantes que por terem ou assumirem qualquer diferença, seja por cor de pele, opção política, religiosa, orientação sexual ou alimentar, são apontados, segregados e mesmo mortos. Que espécie estranha a nossa que sobreviveu porque se soube adaptar e agora aniquila aqueles que fogem ao padrão da normalidade. Não sei de onde veio esta vontade inata de destruição, quem a construiu e a incrustou neste mundo.
Voltando a Madrid e ao concerto. Com o estádio Vicent Calderon ao rubro o Paul conseguiu mais uma vez encher o coração daquelas pessoas com a sua alma de cantor do mundo, sem barreiras nem fronteiras. Os presentes souberam responder com aplausos e a alegria habitual deste povo castelhano. Foram duas horas e meia de espetáculo non stop com efeitos especiais e visuais à altura, que encheu de vida os corações de todos quantos foram assistir. Como grande cantor que é, alinhou um conjunto de canções que colocaram os milhares de espetadores ao rubro sendo difícil manterem-se sentados. Quando ecoavam as canções da vida dos Beatles era a loucura total. Foi uma nova experiência para mim que nunca tinha estado num estádio de futebol e muito menos num concerto. Depois de aceitar o facto de estar sozinho, sem companhia conhecida, comecei a disfrutar deixando-me embalar com a alegria contagiante daquela gente que viveram cada minuto impulsionado por muita cerveja que se vendia em mochilas e servia-se sob pressão em copos de 0.5l. 
Apesar de me encontrar junto a uma das portas da saída, o afluxo de pessoas no final do concerto obrigava-nos a todos a percorrer as escadas e caminhos de acesso em passo curto e ordeiro. A chegada ao exterior do estádio provocou-me alguma desorientação pois tenho por hábito deixar-me conduzir na orientação dos caminhos por quem habitualmente me acompanha. Esta inabilidade latente para a desorientação fez-me percorrer o caminho na procura do metro para o lado contrário aquele que me levava de facto ao metro. Seguir o caminho escolhido pela maioria ali não era a solução pois as ruas encheram-se de pessoas em todas as direções e sentidos. Quando percebi que de facto não identificava nenhum dos pontos que tinha retido na altura do acesso, foi tempo de voltar para trás e tentar perguntar para que sentido ficava a estação de Las Piramides. Claro que era no sentido oposto ao que eu havia escolhido. Encontrado o rumo certo, o percurso até à boca do metro foi percorrido em passo lento, quase parado, pois o caudal de pessoas era excessivo para a largura das ruas e avenidas. Nas escadas de acesso à estação encontrava-se um mar de gente parada que não descia. Do local onde me encontrava não conseguia perceber a razão, aceitado que seria um problema de espaço na plataforma do metro. Passados cerca de 15 minutos conseguimos finalmente começar a descer e depressa percebi que aquela estagnação estava relacionada com a fila de acesso às máquinas eletrónicas para os milhares que tinham que adquirir o bilhete no momento. Esse era um problema que eu não tinha pois o bilhete de 3 dias que havia adquirido logo no aeroporto, salvou-me de ficar mais tempo retido. Quando finalmente alcancei a plataforma de acesso às carruagens fiquei atónito com a quantidade de pessoas que via tendo encetado pensamentos sobre como iria ser a entrada nas carruagens com uma densidade humana daquelas. Nestes casos é fácil perceber e antever o que vai acontecer, são deslocações com a ordem possível para dentro dos veículos, até não haver mais espaço, nem quase para levantar a grelha costal. Eu fiquei praticamente esmagado contra a porta contra lateral àquela por onde entrei. A ventilação dentro da carruagem era adequado mas o espaço para ventilar era exíguo. Tranquilizei-me com o pensamento de que na próxima estação sairiam muitas daquelas pessoas, pensamento de participante inexperiente, pois todas as estações em redor do estádio se encontravam repletas de candidatos a regressar a casa. O que nos esperou a todos foram mais empurrões com a entrada de mais alguns passageiros para um local em que achávamos ser incomportável caber mais alguém. Claro 
que viajar nestas condições dá sempre lugar a dificuldades para alguns. Intensifica-se o calor e a humildade e é um dos locais propícios para ocorreram golpes de calor em que os mais sensíveis reagem com marcada palidez e hipotensão, perdendo a consciência. A adolescente que se encontrava ao meu lado foi uma das 
vítimas desta alteração tendo colapsado mas sem espaço para cair, porque não havia espaço para ela chegar ao chão. Identifiquei a situação perante o seu acompanhante referindo que era um problema de pressão arterial e que ela teria que se colocada na horizontal com elevação dos membros inferiores, mas esta solução era impossível naquele local. Rapidamente cheguei à minha estação de desembarque sem conseguir ajudar mais esta jovem tendo-me focalizado na aventura que me esperava para sair do local onde estava. Como a carruagem continuava repleta, parece que ninguém saiu desde que entramos mas eu precisava sair dali naquele momento. Educadamente verbalizei em voz alta que iria sair mas a coluna de 
pessoa que me separavam da porta não se conseguiam deslocar para me deixar passar. Então a resposta que encontrei foi utilizar a força para deformar e re-aconchegar aqueles corpos empurrando as pessoas umas contra as outras para diminuir os espaços entre elas e assim encontrar em o meu espaço para alcançar a porta. Foi mais uma experiência diferente e neste caso algo difícil. Para poupar algum dinheiro fiquei alojado num quarto independente mesmo no centro de Madrid por um preço low-cost magnífico. O meu anfitrião era o Julian, um homem educado e muito gentil que fez de tudo para que me sentisse à vontade e nada me faltasse. Num dos dias apresentou-me o companheiro com que vivia, o seu marido. Estava na calle 
Mayor, uma avenida perpendicular à Calle Bailen onde se situa Palácio Real e a pouco metros da Plaza Mayor e do famoso mercado de S.Miguel e da Plaza del Sol. A localização era perfeita para percorrer toda a zona centro e histórica de Madrid quase sem utilizar o metro. Da Plaza del Sol sobem várias avenidas para a Gran Via. O que fica um pouco mais afastado é o Museu do Prado e o Parque del Retiro mas que se alcança com poucas estações de metro. Da Gran Via nascem as avenidas que atravessam o famoso bairro de Chueca, nomeadamente a Calle Fuencarral e a Hortaleza. O quarto do Julian foi ideal pois para além da excelente localização tinha uma mini cozinha que ajudou bastante na preparação do pequeno-almoço e nos 
jantares quando as pernas já pediam descanso e a carteira também. Era um quarto pequeno mas muito funcional, equipado com equipamentos do Ikea como uma cama desdobrável que também faz de banco, uma mesa retrátil, fogão e micro-ondas, televisão, ar condicionado, e wc e duche. Tudo portanto e com mais liberdade que num quarto de hotel. Na rua existem inúmeros restaurantes e supermercados que permitem a curta distância adquirir produtos para as refeições que se evitam na rua e assim e poupar algum dinheiro. Aqui está uma forma de viajar económica e nem por isso menos intensa que as formas mais convencionais. Sou cada vez mais adepto desta forma de viajar pois permite estabelecer contacto com as pessoas que vivem nos diversos locais que tornam a nossa estadia muito mais personalizada, e fazem-se amigos. Um dia destes o Julian referiu que queria passar por Lisboa e já ficou combinado que nos vamos 
contactar para também eu o orientar pela nossa bela capital. Viver é isto! É conviver, contactar, trocar experiência e construir momentos diferentes que nos preenchem enquanto seres humanos. Cada vez que vivemos uma nova experiência ficamos mais ricos e esta é uma riqueza única e pura que nenhum certificado ou diploma nos consegue fornecer nem ninguém nos pode tirar, apenas terminará quando mudarmos para outro estado da matéria. Passei os dias a percorrer a cidade pelas zonas mais emblemáticas sem hora para iniciar ou terminar os meus percursos. Não é habitual viajar sozinho mas desta vez a minha companheira Maria, como sempre gosto de lhe chamar, não me pode acompanhar. Detesto a designação de esposa ou mulher. Mulher ela já é e não é minha é do mundo e da vida dela, apenas assinamos um contrato de 
companheiros para o bem e para o mal. As primeiras horas, nomeadamente no concerto senti-me mesmo sozinho, faltava-me alguém com que partilhar o que estava a ver e a sentir. Olhava à minha volta a e parecia que todos estavam acompanhados e eu estava acompanhado com todos os milhares de desconhecidos que enchiam o estádio. Mas com o passar dos dias as coisas foram-se tornando diferentes e até percebi que estar só é salutar para a mente. Desligamos das nossas rotinas e habituamos-nos a não ter regras nem horas. Funciona como uma espécie de retiro. As famílias precisam libertar-se de vez em quando e procurar momento de tranquilidade fora do ambiente habitual. Parece que funcionou muito bem comigo pois logo me 
habituei a esta viagem solitária que me permitiu andar sem rumo nem regras. Visitar o museu do Prado é tarefa para pessoas pacientes, mas é claro que o museu vale a pena. Eu tinha pouco tempo para explorar e sentir a cidade pelo que e não ainda tendo desenvolvido sensibilidade suficiente para disfrutar de alguns aspeto da arte, logo que vi a dimensão da fila, decidi aproveitar o espaço exterior e contemplar a arquitetura ao redor e segui para o Parque do retiro que considero de visita obrigatória. É um autêntico oásis no coração da cidade com espaços para fazer jogging, disfrutar das sombras ou petiscar algo contemplando o 
lago onde impera a calma e o romantismo que se navega ao sabor de umas remadas nos barcos disponíveis. Dei particular atenção a uma exposição que fotojornalista Sima Diab Sirio-americana que capta com alma e emoção todos os seus trabalhos. Este era sobre os caminhos do êxodo do povo Sírio. É chocante o que a repórter mostra. A sensação que tive após apreciar cada uma das fotografias, foi a de dejá vue. Pessoas a fugir da guerra e da morte. Comboios apinhados com gente a saltar pelas janelas, tendas em acampamentos improvisados junto às linhas férreas, crianças maltratadas e pais com um olhar vazio de esperança e de tudo tentando apenas salvar a vida dos seus filhos sem lhes conseguirem salvar a alma porque a deles também foi 
esmagada pelo desespero. Fiquei impressionado, e sentido e nestes momentos reflito sobre o que andamos todos a fazer uns aos outros. Vivemos aparentemente num mundo moderno, tecnológico onde o respeito e a dignidade devem prevalecer sobre todas as outras coisas mas percebo que estes valores fazem apenas parte de uma pequena fração do mundo. O que se passa na Siria tem penosas intervenções políticas que não vou comentar porque não tenho conhecimentos sólidos para o fazer. A mim interessam-me as pessoas e o que com elas fazem. Vive-se o maior flagelo humanitário desde a 2ª guerra mundial às portas da Europa civilizada e dotadas de todos os meios. Nada disto tem resolvido o problema das pessoas. Naturalmente que é difícil criar um novo país para albergar todas estas pessoas e desenraizá-las obrigando-as a viver num país diferente do seu, obriga a muitas e difíceis adaptações. Eles estão nestas condições porque não têm 
como viver na terra eu era sua e que agora está devastada por um monte de selvagens que decidiram expressar a sua doença em forma de destruição e morte. Não consigo imaginar o que se passa nos campos de refugiados, construídos à pressa para prender estas pessoas. Estas pessoas são serem humanos, têm sentimentos, também sofrem, têm fome e sede, ficam doentes e necessitam de cuidados de conforto. Não consigo sequer imaginar o que acontece às crianças que se aventuraram sozinhas ou que os seus pais enviaram para a sorte na esperança de que sobrevivam. Se ultrapassaram as águas do mediterrâneo espera-os agora uma angustiante existência sujeita a tudo desde maus tratos, e exploração e abusos de todos os 
tipos. As crianças não têm capacidade para se defenderem e terrivelmente existem homens adultos, também doentes que aproveitam esta fragilidade para por em prática esquemas de tal complexidade mórbida e repulsiva que merecem vigilância apertada e severas punições. A exposição deixou-me esmagado e profundamente comovido. De volta ao reboliço da cidade com a minha atenção desviada para outros aspetos fez-me guardar os pensamentos anteriores num nível de acomodação que me permite continuar a olhar em frente embora sempre com a capacidade de voltar às imagens que agora vivem no meu banco de memórias. O resto do dia foi passado a percorrer a Calle Bailén onde se encontra o Palácio Real e a igreja 
de Almudena a Santa protetora de Madrid. É uma catedral enorme, muito bonita onde o altar da Santa é acessível por uma escadaria podendo-se orar mesmo junto à sua imagem. O Palácio real ocupa o resto da avenida, majestoso com a sua arquitetura magnífica. No final desta avenida, subindo à direita chega-se à Plaza de España onde se tem acesso direto à Gran Via. Como já não vinha a Madrid há algum tempo e ainda com a experiência de New York na cabeça, parecei que estava de volta à América. É uma avenida majestosa onde se passeiam milhares de pessoas. O comércio é a grande atração assim como as casas de 
espetáculo e casinos. Na zona de Calleo a meio da avenida encontram-se as ruas que percorrem o famoso e alternativo bairro de Chueca. Fiz uma incursão já de noite pelas ruas e ruelas e encontrei um mundo muito interessante e diferente. Tudo aqui respira diferença e tolerância. As ruas principais são a Calle de Fuencarral e a Calle Hortaleza e apenas para referenciar as maiores e mais conhecidas mas depois sabe bem deixar-nos perder por entre as ruelas pequenas para sentir o verdadeiro pulsar do bairro. Nesta zona da cidade passeiam-se casais do mesmo género sexual de mãos dadas, trocando gesto de carinho. Vêm-se pessoas com aspetos diferentes desde a forma de vestir, de andar, ou da produção em geral. Estes pares/casais ou aqueles que se passeia sem companhia são de todas as idades, muitos vestidos com bom gosto outros com aspeto mais excêntrico. Muitos homens com traços e gestos de linguagem corporal que apontam claramente para uma feminização, outros musculados e de corpos bem definidos, assumidamente homens mas que amam outros homens. Por estas ruas existem restaurantes de muita qualidade e bom gosto e lojas de roupas de marca. Existem ainda oferta de saunas e clubs gay para os que querem conviver em modo mais reservado. Voltei a este bairro mas de dia para ver com pormenor e atenção outros aspetos que a noite não reflete. A estação de metro Chueca está mesmo no meio do bairro e a partir dela alcançam-se todos as zonas de maior interesse. Um dos locais imperdíveis é o mercado de San Antón. Um local 
transformado em espaço gourmet com zonas de compras e outras para sentar e degustar os mais variados pitéus. Muito à semelhança do Mercado de S. Miguel para mais pequeno. Outro local que me chamou a atenção foi a Igreja de S.Antón. Na porta de templo está a fase: porta santa para os desfavorecidos. É uma igreja aberta 24h onde todos podem entrar, rezar, tomar um café, dormir, levar o seu animal de companhia, conversar. Tem um desfibrilhador automático externo junto a uma enorme imagem de Cristo por isso ao 
alcance da mão de Deus. Achei tão interessante este pormenor. Percorri as ruas e ruelas que conectam aquele bairro sobre os sues diversos aspetos. As lojas de marca proliferam e afirmam-me como espaços de luxo para uma clientela que tem bom gosto e poder de compra. Num dos cruzamentos encontrei um atropelamento de uma idosa por duas condutoras de mota. O cenário era de 3 vítimas no chão com a presença da polícia a tomar conta da ocorrência. Ofereci-me para ajudar mas foi-me dito que estava lá uma médica. Era a senhora que vi junto da idosa e que lhe fazia carinhos e afirmava que ela tinha pulso. Percebi que nada sabia de trauma para identificar potenciais lesões. Em pouco minutos chegou a ambulância do Samur com o staff de apoio. Fiquei a assistir ao socorro que passou por uma rápida identificação da única vítima, as condutoras da mota entretanto levantaram-se depois da policia lhes perguntar se tinham alguma coisa. Uma delas chorava inconsolável por ter provocado aquele cenário, tentando-se dirigir à vítima 
confortando-a. Identificado que estava o estado da vítima, foi-lhe colocado um colar cervical e a transferência para uma maca convencional elevada a 45º. Estranha esta incongruência. Percebi que a senhora não teria nenhuma lesão grave apenas pela observação da cor da pele e do estado de consciência, discurso e orientação. Mas após colocação de um colar cervical que oferece alguma proteção mínima do pescoço faria sentido transferir a senhora para uma maca que lhe oferecesse mais estabilização. Foi assim 
que aprendi nas minhas aulas de traumatologia. Depois de muito andar tentando absorver todas aquelas diferenças e de colher as imagens do que me despertou mais (estou a lembrar-me dos cartazes que anunciavam a pre-preparação da parada gay que se realiza no final de junho ou do trabalho de voluntário de canis que levaram alguns dos cães para a rua com vestido com uma capa laranja onde se podia ler adota-

me, para sensibilizar a opinião publica para esta causa. O sucesso da iniciativa via-se em cada gesto de carinho que as muitas mãos faziam ao percorrer o pelo daqueles animais de aspeto dócil e cuidado, alguns deles de raças apuradas, embora eu entenda pouco destas coisas) era tempo de voltar ao alojamento e aproveitar para descansar e sentir o sabor desta cidade na lembrança e nas memórias que tinha acabado de construir. Ficou a sensação de que Madrid me era muito desconhecida e que aquela viagem representava o início de uma relação com esta cidade vizinha que despertou em mim, vontade de voltar mais vezes.