Tuesday, May 1, 2012

Luanda do semba do kuduru ou da tarrachinha

Estava a terminar o ano de 2011, quando, ao consultar o meu mail me deparei com um convite surgido de forma inesperada na minha atividade como formador. Li o conteúdo atentamente e, no final encostei-me para trás e pensei que aquilo não me estava a acontecer. Tratava-se de um projeto de formação para realizar em Angola, mais propriamente numa clínica em Luanda. Fiquei perplexo, radiante, eufórico e assustado. O fruto do trabalho e a dedicação tinham permitido atravessar os continentes e pensar mais além. Depois de refletir um pouco não tinha em como não aceitar a proposta. Segue-se uma verdadeira maratona administrativa e profilática que incluiu consulta do viajante, vacinação e visto de entrada no país. Até à chegada do dia da partida projetei sonhos e ideias naquilo que iria ser a minha verdadeira incursão no coração do grande continente africano. Chegado o dia, o caminho para o aeroporto trazia-me a sensação de férias e aventura, embora tivesse uma longa semana de trabalho programado pelo frente. Voar para mim nunca é um prazer pelo que a angustia subia à medida que se aproximava a hora do voo. Desta vez, feito o check in online o tempo de espera no aeroporto ficara reduzido pelo que tudo foi mais rápido até à partida programada para as 23h10m. Fiquei fã do check in online! O gigantesco Airbus A340 fazia antever uma viagem confortável e tranquila, mas a aproximação à pista e a longa demora logo deitaram por terra aquilo que parecia ser a minha tranquilidade imunológica. Logo soaram aos microfones palavras do comandante referindo uma avaria e o obrigatório regresso ao ponto de partida. Estranhamente até para mim, não fiquei assustado nem angustiado. Parece que me estou a habituar à ideia de que todos nós temos o nosso destino traçado (palavras da Micá) e que não são estes pequenos percálços que nso fazem procurar mais apressadamente o fim um dia previsto. Após 1h30min de atraso a nossa fortaleza voadora fez-se aos céus para uma longa viagm de de 7 horas até à capital angolana. O meu companheiro de viagem era um sr. já habituado ao vai-vem Lisboa-Angola e lá me foi contando as verdades e sabedorias de 15 anos de trabalho nestas condições. À chegada cá tinha o motorista prometido, o Fernando, um residente angolano jovem e com o espírito típico destas paragens tropicas do "tá-se bem". O 1º dia foi passado no hotel a descansar pois continuo com o péssimo hábito de me manter acordado durante toda a viagem, embora esta tenha sido preenchida com alguma ocupação no auxílio a uma srª angola que ficou indisposta, após um pedido da tripulação de cabine. Comigo lá apareceu também uma jovem enfermeira brasileira. A Srª queixava-se de uma dor precordial inespecífica e lá fui eu pois ninguém estava para acordar às 3h da manhã e eu acordadinho nada me custou. Acabei por estar entretido um bom tempo depois o apoio da jovem enfermeira brasileira. Algum tempo depois apareceu uma médica julgo que de familia, que resolveu dar sinal de vida, mas que só fazia disparates, mas enquanto ouve medicamentos para dar à senhora ela lá foi fazendo o seu papel. Era uma quadro ansiolítico que a srª drª transformou numa hipertensão (120/90 mmHg) era o valor que a senhora tinha. Depois de muita medicação, apareceu aos olhos da doutora um quadro dum possível AIT por aparente defíce motor à esquerda e que culminou com a queixosa deitada em 1ª classe com a pernas o mais levantado possível, hellooo!! Fartei-me de aprender disparates! O restaurante do hotel veio a revelar-se uma verdadeira surpresa pois a cozinha é de excelente qualidade e todos os dias identifico muitos pratos tipicamente portugueses e nunca comida africana. Fiquei desconfiado! Na 1º tarde por cá e fazendo jus aos inumeros cuidados com que me encheram os ouvidos, o máximo que arrisquei foi percorrer a rua do hotel nos dois sentidos. Logo se sente o cheiro e a envolvencia típica das terras de àfrica. Um calor abrasador e humido. Encontrei ao fundo da rua a clínica onde iria desenvolver o meu trabalho, mas até lá chegar e peos lados e pela frente, a miséria é frontal e sem descrição. Não há qualquer harmonia urbana, apenas barracas, lixo e carros. O meu 1ºdia de trabalho permitiu-se contactar com o outro lado da sociedade, uma clínica luxuosa, absolutamente equipada com gente simpática e hávida de formação. Gostei bastante! Como em Luanda o dia 1 de Maio também é feriado convenci o meu motorista a mostrar-me a realidade da cidade e dos arredores. Ele fez-me a vontade e levou-me a conhecer os principais sitios da cidade desde a zona de Miramar, zona da casa de fim de semana do presidente e região das embaixadas até ao palácio presidencia e a nova assemblia da republica. Depois fomos percorrer zonas de miséria extrema, pelo menos esta é a avaliação única que consigo fazer dos locais por ponde passamos. Sempe de carro e portas trancadas vi gentes, bichos e lixo em harmonioso convívio e aparente normalidade. As estradas estão repletas de vendedores de beira de estrada que vendem literalmente tudo, desde carne crua polvilhada com mantos de moscas a bananas e outras frutas , roupas, peixe, pão, lats de refrigerantes e água congelada. Um sítio de paragem obrigatório foi o mercado de benfica. Trata-se de um mercado que é a feira de artesanato onde se podem observar e comprar os mais belos quadros e estátuas manufaturadas. A seguir fizemo-nos a estrada que liga Luanda a Benguela para chegar à foz do tio Kuanza. A paisagem é estonteante! Parámos no museu da escravatura que fica próximo do embarcadouro para a ilha do Mussulo. Aqui barcos privados cobram 300 Kuanzas  (Kz) por pessoa a atravessam a curta distância que separa a paradisíaca ilha da linha de costa. Pelo caminho fui perguntando ao meu guia várias curiosidades que para mim são novos saberes, por exemplo que existem notas de 5, 10, 50, 100, 200, 500, 1000 e 2000 Kz e que Angola é um pais produtor e exportador de petróleo mas que este não existem em todas as províncias, apenas em Kabinda, Benguela e na província do Zaire. Em Kabinda a guerrilha FLEC ainda mantém algum conflito com as trpoas angolanas devido à presença na região de petróleo e diamantes. O Fernando também me elucidou um pouco sobre a histária do país referindo as forças partidárias que desencadearam o conflito que durou mais de 30 anos após a independência. Tratravam-se da FNLA e do MPLA, tendo a FNLA sido o primeiro movimento a combater com os colonialistas. Agostinho neto, o 1º presidente de Angola era o homem forte do MPLA. Por sua vez o Savimbi era motorista de Holden Roberto o homem forte da FNLA. Estes dois partidos chegaram a reunir-se para formar eleições mas não chegaram a entendimento e desecadeiam um conflito armado entre a FNLA e a UNITA de Savimbi contra o MPLA no Muxico. Agostinho neto entretanto autoproclama-se presidente da República e Holden Roberto foi perdendo poder. Como Agostinho Neto não tinha tropas mandou vir soldados de Cuba e a FNLa foi perdendo poder. A UNITA arma-se com trpoas da Àfrica do sul. Após a morte de Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos entra em cena e ganhas as eleições, muitas vezes de forma menos clara, assumindo a presidência da república à já muitos anos. O trajeto até ao Kuanza permitiu disfrutar da genuinidade daquilo que para mim é a verdadeira África. Clima fabuloso, paisagens de sonho, natureza intacta e gentes a viver sem pretenções de qualquer ostentação apenas com aquilo que a natureza oferece, apreciando o sentido da vida natural. As praias estendem-se por dezenas de km desertas e de uma beleza que só esta zona do mundo pode oferecer. Com esta oferta divina os nativos de cá aproveitam bem os tempos de ócios para se banharam nas águas calmas e tépidas deste oceano atlântico que aqui assume características de mar tropical. Como que a acenar para um generoso convite está a ilha do Mussulo logo alí ao largo da costa e alcançável a uma curta distância de barco. A opção podem ser barcos privados que a troco de 30 kZ transportam os clientes de forma rápida e aparentemente segura. Um desses locais de embarcação fica junto ao Museu Nacional da Escravatura. Esté inaugurado na década de 70 encontra-se no cimo de uma pequena elevação a acenar ao mar. A porta está sempre aberta, não há bilheteira e quem quer entra e observa o espólio com as descrições apropriadas. Aqui e ali somos obrigados a interromper a marcha para deixar passar as vacas ou as cabras que decidem procurar outro lugar para continuar o seu dia, do outro lado da estrada. Os porcos seguidos pelas suas crias deambulam felizes tal como os meninos despido de tudo, em busca alimentos os primeiros e as alegrias próprias da idade os outros. Já perto da foz do riu Kwanza e a atravessá-lo, enconta-se uma ponte com aspeto moderno e para atravessá-la é necessário pagar portagem. Pela estrada fora que há-de chegar ao Benguela,  a paisagem continua-se e a cerca de 50 km para lá da foz do kwanza encontra-se um pequeno paraíso que não cheguei a conhecer, o Cabo Ledo. Após atravessarmos uma um projeto de estrada, com pó e alguns ornamento de alcatrão já consumido pelo tempo, encontramos o local onde o riu se mistura com o mar. A estrada é emoldurada por palmeiras que lhe conferem uma beleza extraordinária. Na foz as águas são doces e escuras, no entanto a tentação e mergulhar naquelas águas quentes é uma tentação permanenente. Por estes locais nativos e estrangeiros juntam-se para comemorar o bom tempo, e aquele mar. Confraternizam com petiscos, boa disposição e alegria. Neste local que mais parece ser o fim do mundo, no meio de areias suaves, mar cálido e cubatas, as fotografias fazem-se de Ipad não mão. Já de regresso os meus olhos não chegavam para registar tanta diferença. Mercados à  beira da estrada, onde se vende de tudo, lado a lado com montanhas de lixo e montes de pessoas e chapeus de sol. Nunca tinha visto nada igual. Já dentro da cidade e por todos os locais proliferam os taxis privados, os chamados candongueiros que transportam grupos de pessoas a custo económico (100 kwanzas). Destacam-se por existerem às centenas e por serem todos Toyotas Hiace pintadas de azul com as devidas adaptações e decoração dos seus proprietários. Nas zonas difíceis da cidade os bairros de barracas são a paisagem dominante. Aqui perfilam-se as casas de comida, as perfumarias e as lojas de lubrificantes, lado a lado, tal como o comercio nas avenidas de uma outra qualquer cidade. Esta é uma das terras de África que o mundo criou para abençoar os seus habitantes mas que os conflitos económicos e militares devastaram ao longo de décadas, mantendo uma paz que faz agora 10 anos mas parece ser apenas uma paz do calar das armas, pois a maioria da população  (75%) vive carenciada de tudo e convive paredes meias com carros de alta cilindrada e condomínio de luxo que só uma pequena percentagem (25%) tem o direito de usufruir. Na minha última noite nesta terra que cheira a África, fui jantar ao restaurante Chitaka de uns amigos de Portugal,  o sr. Graça e a minha boa  e querida amiga . Clélia que conheço à mais de 10 anos. O simpático e muito prestável gerente, o sr. Neves fez a gentileza de me apanhar no hotel para me deliciar com a apresentação de um espaço magnífico, situado muito perto da marginal de Luanda, junto ao Hotel Presidente. Trata-se de um lugar especial, requintado e multifacetado, pois congrega no mesmo espaço, a zona de take away, a sala de self-service, o restaurante na  sala de cima com janelas de vidro a substiutir as paredes, esplanada e um espaço de pátio interior para eventos de maior dimensão. Para quem quizer jantar num ambiente mais resguardado, ainda existe uma sala VIP, requintadamente decorada. A decoração mistura conceitos europeus com a cultara africana num casamento tão harmonioso que apetece estar e apreciar tudo o que aquele espaço tem para oferecer. A emente é rica e tem pormenores dignos de registo como é logo na página de entrada esta magnífica frase que me deixou estarrecido com tamanha profundidade e reflexão filosófica: "a comida vai muto além do que a satisfação do apetite ou do prazer como sabor. A comida é uma representação, está carregada de simbolismo e une o Homem com a Terra, pois é na Terra que se cultivam os produtos que através do ritual da cozinha são convertidos em alimentos pelo Homem. É com a comida que o Ser Humano homenageia o solo em que vive. Incógnito ". O projeto faz deste espaço o mais requintado restaurante de Luanda. A apostar no futuro e na qualidade está para breve a abertura da primeira loja gourmet mesmo junto ao restaurante e o sucesso permite à empresa responsável pensar já no restaurante Chitaka 2. O jantar foi requintado e absolutamente delicioso. Para entrada optei por uma sopa de peixe que acabou em creme aveludado de tomate por uma abeçoada troca na cozinha, estava rico. Como não conseguia decidir sobre o prato a escolher, o sr. Neves apontou para o prato de corvina que estava soberbo. O peixe estava muito bem confecionado com um molho suave, acompanhado com cogumelos e legumes. Isto tudo foi acompanhado com as mais belas caipirinhas que já tive o prazer de degustar. E com este jantar requintado me despedi desta magnífica terra africana que me impregnou a alma com as suas diferenças, os seus aromas, o clima, as suas gentes....
A Luanda do semba do kuduru ou da tarrachinha, do bom clima e das praias e belezas naturais, castiga os seus habitantes que também a castigam cobrindo-a de lixo que se amontoa por todo o lado, é hoje a cidade mais cara do mundo.